terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Lembranças de W.

Era ela uma menina bonita. Lembro-me dos olhos verdes, da pele alva, o cabelo liso e curto. Era a 6ª série do Marista. O nome dela era W. Gostava de conversar com ela, mas não cheguei a gostar dela de outra forma que não como amigo. Porque bonita, era muito popular; porque também simpática, tinha dos meninos uma atenção a mais.

W. era precoce e fisicamente parecia ter em idade mais do que realmente possuía. Com isso, despertava o interesse de meninos mais velhos do que nós. Não raro os rapazes que estudavam nas turmas mais adiantadas da manhã e faziam exercícios à tarde passavam pela nossa sala, para conversar com ela. E pegavam em suas mãos em conversas animadas de corredor; e passavam as mãos nos cabelos dela, que permitia entre sorrisos; e brincavam aqui e ali com abraços nem sempre tão inocentes. W. sorria e permitia as brincadeiras desses meninos mais velhos. Isso começou a despertar a reprovação das suas colegas, e, depois, das suas amigas, que passaram, também elas, a ser objeto de comentários pouco edificantes das meninas da turma.

W. não ligava, porque gostava do convívio dos rapazes e de se sentir desejada por eles. Era um jogo gostoso que ela estimulava, com um que de inocência, sem consequências práticas. Até que um dia - pouco importa se era verdade ou não - alguém disse que dormiu com ela. E a história se espalhou no colégio. Naquela época não era comum as adolescentes irem namorar em motéis, ter experiência sexual na adolescência. Não. As que iam, eram logo conhecidas e mal vistas por todos, como meninas para o lazer, não para um relacionamento sério. W. ficou marcada, então. E perderam por ela o respeito.

Lembro-me do dia em que íamos ter as últimas provas daquele ano. Estávamos no corredor, esperando o professor de geografia que iria aplicá-la, quando ouviu-se aquele enorme burburinho. Olhei e vi W. correndo com colegas nossos em seu encalço, em grande algazarra, tentando pegar em seus seios. Ao passar por nós com os braços em "x" sobre os seios, segurando ambos os ombros, tentando proteger-se das mãos que tentavam buliná-la, W., às lágrimas, ainda recebia de alguns apertos em suas ancas, enquanto tentava se desvencilhar daquele corredor polonês.

Impressionou-me aquela reação coletiva, o desrespeito quase criminoso, além da perda de dignidade de W., exposta àquele vilipêndio. A menina bonita se transformara em uma Geni, em uma pessoa rejeitada, como se fora um pária. Simplesmente porque incomodava a algumas colegas, que a invejavam, ou a alguns meninos, que a desejavam mas não podiam tê-la.

Não sei por onde ela anda, nem o que é feito dela. W. deixou de estudar no colégio. Como a aluna Geise, da Uniban, ela foi objeto de sentimentos primitivos, gerando reações simplesmente irracionais, não explicáveis. Faltou quem a orientasse, quem pedisse que ela se resguardasse, justamente pela inveja que despertava. Faltou quem pudesse protegê-la das suas virtudes, transformando-as - ao menos aos olhos de alguns - em gravíssimos defeitos.

Bem, W. cedo descobriu como funciona a nossa sociedade. Não sei se aquele acontecimento amputou a sua alma, tampouco as consequências para a sua vida. Sei, porém, que essa lembrança me invadiu por um acaso, refletindo sobre a educação e o papel dos pais. De repente, lembrei de tantos rostos e acontecimentos daquela época, como a menina que, em uma viagem da turma, deixou-se flagrar mantendo relações com um dos nossos. Fizeram uma roda, enquanto no centro ambos desfrutavam o resultado da bebida em alta dosagem. A menina continuou no colégio e não foi, diferente de W., objeto de reações como aquela. Por quê? Talvez porque não despertasse tantos sentimentos contraditórios como W., como a inveja e o desejo, ambos desmedidos.

Ah, o Colégio não era permissivo, não. Mas já estávamos entrando em novo tempo, em que os limites para os adolescentes foram sendo esquecidos pelos pais. A tolerância era grande e as inconsequências de muitos, também. Resultado: o imponderável.

Não há desculpas naquelas reações contra W., nem justificativa alguma. Uma coisa, porém, é certa: W. não se preservou, não se protegeu contra as invejosas. Ela creu muito nas pessoas; foi inocente em se achar acima do julgamento dos que, na verdade, queriam ser/ter W. A inveja mutila; o desejo desmedido insatisfeito, igualmente. Ambos desumanizam e destroem; ambos querem se apropriar do objeto invejado/amado ou vê-lo destruído. E W. não soube se defender, flertando com o perigo, expondo-se mais do que seria prudente.

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