quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A Reforma política proposta pela OAB: breve análise do parecer aprovado pelo Conselho Federal.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aprovou, no dia 04 de fevereiro de 2015, a proposta de reforma política produzida pela própria entidade, contando com apoio da CNBB, CUT e uma série de coletivos sociais, como o MST. Segundo matéria divulgada no site oficial da entidade, "O presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, entende que a relevância da questão se traduz em urgência nas ações. “A reforma política não é do governo nem da oposição: ela é da sociedade. Todos os candidatos a presidente da República prometeram, durante a campanha eleitoral, realizar uma reforma política. Agora, o povo aguarda e exige o cumprimento desta promessa. A Ordem é protagonista nessa busca pela republicanização do Brasil”, defendeu.".

O site publicou também o parecer do relator da matéria, conselheiro federal pela OAB-CE, Kennedy Reial LINHARES, em que se expôs as razões pelas quais defendia a aprovação pelo pleno do Conselho Federal da proposta de reforma política.

Li com atenção esse texto. Trata-se de um discurso retórico, sem substância jurídica, em que se apela a uma linguagem emotiva para dizer da necessidade de uma reforma política no País. Falando em democracia, cita em seu favor Hegel e Marx, justamente dois filósofos inimigos das sociedades abertas, conforme sublinhado por Karl Popper em obra sobre o tema. Aliás, a inspiração ideológica do texto não deixa margem de dúvidas sobre o seu caráter marxista e anticapitalista, quando pespega, lá para as tantas, a seguinte pérola contra a globalização, cujo entendimento textual está além do meu alcance cognitivo. Trata-se de uma construção argumentativa que parece nos levar do nada ao lugar-nenhum intelectual:
A contemporaneidade vive o “fenômeno” da globalização, que indubitavelmente interferi (sic) na política, no direito, na justiça e na cultura. A globalização, por assim dizer, é devastadora quando não mediada de forma racional entre as derrubadas das fronteiras dos Estados na esfera econômica, que indubitavelmente implicará em unificação de algumas ou todas as leis entre Estados, como por exemplo tem acontecido na Zona do EURO (em quase toda Europa) e iniciando timidamente com o MERCOSUL (com alguns países da América do Sul). 
Ainda nessa toada, LINHARES passa a divagar sobre a globalização e os seus efeitos, exercitando a sua capacidade especulativa ao extremo e levantando para si próprio questões transcendentais de elevada gravidade para ele, ao que parece pela ênfase empregada:
O mundo esta sendo reinventado ou sendo ocidentalizado? E em quais parâmetros? Os consumos, os excessos, a crise moral, o desapego ético, a chamada “sociedade do espetáculo” cada vez mais epicurista é o “grande avanço da humanidade nos últimos anos”? Nesse tipo de sociedade existe espaço suficiente para o DIREITO? As leis somente são úteis em um contexto de proteção mercadológica? E a DEMOCRACIA? 
Não sei que diabos tem isso a ver com a reforma política, mas deve ter causado impacto aos membros do Conselho Federal, que passaram a meditar sobre questões como a globalização, o epicurismo, o consumo e que tais. Porém LINHARES não parou por aí.
Nesse cenário sombrio de ferimento dos direitos humanos pelos EUA, afastou-se de vez a perspectiva do direito metafísico oriundo do ideal de sociedade, democracia e justiça decorrente dos Iluministas. Compreende-se cada vez mais que o alcance da democracia e justiça passa pela efetivação prática do direito. Afinal, para que tanto idealismo e tantos direitos conquistados no curso da história sem seu sentido prático-universal? 
Li, reli e treli o texto. Não entendi nada, sobretudo o tal direito metafísico oriundo do ideal de sociedade... Aí, meteu-se jusnaturalismo com positivismo, além da questão profunda subsequente: em nossa sociedade ainda haveria lugar para o direito? Não entendi a pergunta, não sei o que LINHARES entende por direito, ficando eu aqui perdido, sentado na calçada, a divagar sobre tais questões que devem ter tido um poder persuasivo imenso para a aprovação da proposta de reforma política pelo Conselho Federal da OAB.

Nada obstante, novas questões de elevada indagação continuaram a ser feitas no parecer. Foi aí - como diríamos na minha pequena Junqueiro/AL - que eu me lasquei todinho. Não entendi bulhufas:
Entre otimismos e pessimismos, contradições e coerências, o certo é que o mundo contemporâneo não parece deixar espaços para idealismos, exigi-se cada vez mais a concretude das coisas, o respeito do “singular ao universal” , a democracia, o uso imoderado da razão, e a obtenção da justiça com a simples aplicação do direito, são objetivos reais e racionais. De que importa vivermos em uma sociedade cheia de direitos sem nenhum sentido prático-efetivo? 
A "concretude das coisas", o "respeito do singular ao universal", a "obtenção de justiça com a simples aplicação do direito" (ao que parece, o justo seria o legal...), e expressões desse quilate, enfim, me entorpeceram a mente, levando-me ao labirinto da incompreensão profunda. Aí me fiz uma indagação: está tudo muito bem, está tudo muito bom, mas realmente o que temos a ler sobre a reforma política? Responde-nos LINHARES:
A importância do tema em discussão é fenomenal. Diante de sua óbvia repercussão, é sintético o posicionamento da Relatoria a seu respeito.
E tão sintético foi, que o parecer limitou-se a citar breves excertos de falas proferidas pelo presidente da OAB, em uma atitude monológica fechada a qualquer diálogo. Não houve análise de posições diversas, em que se justificasse a opção por uma alternativa e não por outra. Não. Citaram-se breves falas do presidente da OAB e LINHARES tomou-as como suas. E fim!

A Reforma Política proposta seria de interesse da sociedade, diz-nos o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. Ok. Dou uma sugestão para panfletos da OAB promovendo a coleta de assinaturas:


Sinceramente, estou impressionado com a nossa Ordem dos Advogados do Brasil. Não apenas eu, aliás; não faltam os quanto se sintam cada vez menos representados por ela, ao menos em relação à atual gestão.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Petrobras: o problema não está na lei, mas na ausência de controle interno

Diz-se com certa ligeireza que o modelo de licitação adotado pela Petrobras estaria como um dos mais relevantes fatores para a corrupção que passou a grassar na companhia. Nada mais falso, porém. Os problemas advindos da corrupção endêmica da Petrobras decorrem do aparelhamento político adotado como requisito para a ocupação dos cargos relevantes, a pulverização do poder decisório em estratos mais baixos da hierarquia da empresa, a ausência de uma política de accountability e compliance para o acompanhamento dos atos internos e punição dos desvios tão logo detectados, o autoesvaziamento do papel do Conselho de Administração, a promiscuidade da relação com as empreiteiras, a ausência de normas sobre quarentena dos empregados da companhia após a sua saída da relação de trabalho.


Uma empresa que atua no mercado internacional, com concorrência de outras gigantes do setor, não pode ficar amarrada à lei de licitações e ao modelo burocrático por ela estabelecido. Isso impediria a tomada de decisões rápidas, essenciais para a atividade econômica desempenhada pela Petrobras. Aprisioná-la à burocracia das compras públicas é inviabilizá-la como player na disputa internacional, cada dia mais acirrada em tempos de preços em queda do petróleo e da mudança da geopolítica com o xisto americano, que lhe deu autonomia e o transformou em autossuficiente, além de exportador de combustíveis fósseis.

Não se trata, portanto, de mudar a lei - mania atávica herdada dos portugueses: há um problema; faça-se uma lei! -, mas de criar mecanismo internos eficazes de controle dos atos negociais da companhia, com uma sólida estrutura de auditoria e controladoria interna, livre das pressões políticas e do aparelhamento partidário. Além disso, punir com rigor os empregados flagrados em práticas heterodoxas no âmbito das suas competências.

Mudar a lei de licitação diferenciada da Petrobras não é a solução; trata-se de mais uma desculpa feita de afogadilho.