sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Crônica da Semana: As raízes da mangueira

Venho de um lugar em que não há nada. Uma mangueira frondosa é o que resta de onde nasceu o meu pai. E vejo aquele lugar-nenhum como a minha origem, o ponto de partida do que sou como pessoa. As minhas raízes são as mesmas daquela mangueira; minha alma tem os pés plantados naquele chão.

Pau Amarelo. Ali, naquele lugar perdido no tempo, fazendo hoje parte de uma cidade chamada Taquarana, nasceu o meu pai. Na minha infância, em Junqueiro, ou na minha adolescência, já em Maceió, quantas vezes ouvia o meu pai falar sobre aquele lugar, dizendo de onde vinha para que nós, os filhos, pudéssemos ir além.

Meu pai perdeu cedo a mãe. Tinha cinco anos apenas. Foi criado pelos tios, já que o meu avô, João Baptista, não fincava raízes, viajando para lá e para cá, sem dar aos filhos a segurança de um lar. Meu pai foi marcado por essa realidade: não ter a sua própria casa, o convívio com os irmãos, tendo que acomodar-se de favor na casa de tios, enquanto o meu avô fazia das suas viagens tantas.

Em 2007, convidei o meu pai e o meu irmão Ricardo e, juntos, fomos para Pau Amarelo, fazer o que chamei de "viagem da saudade". Queria muito conhecer aquele pedaço de lugar-nenhum, onde a história da nossa família começou.

Foi emocionante encontrar aquele chão parado no tempo. A pobreza dos seus moradores, a simplicidade honesta daqueles homens e mulheres marcados pelo sol, com as mãos calejadas pelo cabo da enxada, pelo lavado constante de roupas, pelo plantio e colheita do feijão. E, lá para as tantas, vejo o meu pai apontando para uma mangueira: ali ele nasceu, em uma casa de taipa que não mais existe. Ali, naquele rancho insignificante de terra, deu o primeiro choro, teve os primeiros dos raros carinhos da sua falecida mãe, sentiu o sopro quente do vento daquela região.

Fiquei olhando para aquele lugar. Senti o encontro com o que sou, com a minha natureza: sou filho de um sobrevivente, de um homem que veio da pobreza e se fez pelo estudo. A fé o salvou; os estudos o fizeram homem! (Mas essa é uma outra história).

Encontramos primos do meu pai, que ainda estão morando lá. Entramos em suas casas, partilhamos dos cheiros, das cores, dos traços daqueles ambientes que têm as marcas daquele passado. E me senti em casa, vendo-me ali, partilhando aquela realidade com o meu coração: eis o que és, Adriano, e de onde vieste!

Depois fomos para Barro Vermelho, povoado de Junqueiro. Ali, fui batizado. Ali, meu avô está enterrado. Ali, meus pais tiveram os seus momentos de descoberta.

E terminamos em Junqueiro, que já não mais é o Junqueiro da minha infância, que habita no meu coração intacto. Visitamos o Hélio e o Sérgio, nossos amigos de infância, que foram mais que amigos: quase irmãos.

Bem, divido com vocês a história do meu pai, que é a minha história. Não posso pensar o mundo sem pensar a partir das minhas raízes, das minhas origens e do chão perdido no tempo onde tudo começou. Por isso creio na força da fé católica, que fez o meu ser quem é e vencer na vida; por isso creio na força do estudo, da leitura constante, do esforço e do trabalho.

As fotos de 2007 podem ser vistas aqui.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A menina sem nome e a dominação

Ela olhou para mim. Senti os seus olhos pousarem levemente, com delicadeza, sem chamarem a atenção. Mas não me era possível não perceber aquela moça bonita, no peitoral do primeiro andar do colégio, me olhando sem pressa, insistentemente. Eu, sentado em uma mureta de cimento, que contornava uma das árvores em frente às salas de aula, permanecia conversando com colegas, como se não percebesse nada.

Foi assim naquele intervalo. Outros se sucederam de igual modo. E eu fingia não notá-la simplesmente porque ela era muito bonita. Sentia-me intimidado. Como era comum nos intervalos, ficávamos sempre ali, conversando, enquanto esperávamos a chamada para as aulas. Até o dia em que o Henrique, hoje médico, disse: "Adriano, rapaz, essa menina não tira o olho, cara!". Senti-me na obrigação moral de olhar para ela. E aí os nossos olhos se encontraram. Ela, contra as minhas expectativas, não se fez de rogada e fitou-me ainda mais firmemente. Os olhos dela pesaram sobre os meus, que cairam timidamente.

Passamos mais alguns intervalos de aula naquela troca de olhares. Até o dia em que criei coragem e a chamei. Ela desceu. Fiquei meio perdido diante daquela postura sempre convicta, direta, sem meias medidas. Sentamos em um dos degraus da arquibancada do campo gramado, em frente às salas de aula. O Marista nos proporcionava um vasto espaço para o lazer nos intervalos.

Conversamos meio tropegamente, diante da minha ansiedade. Ela, ainda mais bonita de perto, provocava-me com um sorriso dengoso, que constratava com a sua segurança. Dois beijinhos, conversa vem e conversa vai, estávamos tendo o nosso primeiro encontro. Fosse mais corajoso, sem a timidez que tinha, poderia ter aprofundado, digamos assim, aquele momento. Mas estava bem para mim, ao menos naquele instante.

Ela se despediu com um beijo em meu rosto, sorriso farto e uma piscadela de olho. Foi, deixando comigo o meu coração aos pulos.

Nos dias seguintes, a mesma coisa, sempre. E como o tempo passasse em continuados encontros, a timidez foi cedendo assento à vontade do passo adiante, e parecia que chegara, enfim, a hora do beijo. Por encantamento, a minha boca buscou aninhar-se na dela, quando o seu rosto, suavemente, virou para o lado. Bejei-lhe a face.

E ficamos assim, ela me provocando e dando sempre um passo para trás, como fazem as dançarinas na roda de coco. E eu, atordoado, ia viajando como um Ulisses desprovido de cordas a prender-me em segura aventura. Até o dia em que, dominado e cansado, perguntei: "Por que não?".

Porque o meu pai não quer que eu namore, porque a minha mãe é dominadora, porque nunca namorei antes, porque tenho medo, porque, porque, porque...

Estava com a corda no pescoço, colocada por mim mesmo, e entreguei a ponta nas mãos daquela moça. E ela, com aquela orgulhosa maldade de quem subjugou o outro, não podia puxar a corda e por fim à brincadeira. Haveria de conservar-me preso, divertindo-se com os meus sentimentos.

Até o dia em que acordei. E já não vi mais a menina bonita, faceira, interessante. Vi apenas os gestos, as palavras não ditas, a tentativa de dominação pelo encantamento feiticeiro. E acordei do estado letárgico, da submissão imposta pelo querer. Foi assim que, para a supresa dela, não mais a olhei, não mais deixei me perder.

Não lembro o nome dela; não sei sequer direito quem ela era. Mas aprendi muito com o seu sinuoso modo de aprisionar, com o seu jogo de sedução. Bem, se nem sempre nos damos bem, ao menos lições devemos tirar, não é mesmo?!