quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A menina sem nome e a dominação

Ela olhou para mim. Senti os seus olhos pousarem levemente, com delicadeza, sem chamarem a atenção. Mas não me era possível não perceber aquela moça bonita, no peitoral do primeiro andar do colégio, me olhando sem pressa, insistentemente. Eu, sentado em uma mureta de cimento, que contornava uma das árvores em frente às salas de aula, permanecia conversando com colegas, como se não percebesse nada.

Foi assim naquele intervalo. Outros se sucederam de igual modo. E eu fingia não notá-la simplesmente porque ela era muito bonita. Sentia-me intimidado. Como era comum nos intervalos, ficávamos sempre ali, conversando, enquanto esperávamos a chamada para as aulas. Até o dia em que o Henrique, hoje médico, disse: "Adriano, rapaz, essa menina não tira o olho, cara!". Senti-me na obrigação moral de olhar para ela. E aí os nossos olhos se encontraram. Ela, contra as minhas expectativas, não se fez de rogada e fitou-me ainda mais firmemente. Os olhos dela pesaram sobre os meus, que cairam timidamente.

Passamos mais alguns intervalos de aula naquela troca de olhares. Até o dia em que criei coragem e a chamei. Ela desceu. Fiquei meio perdido diante daquela postura sempre convicta, direta, sem meias medidas. Sentamos em um dos degraus da arquibancada do campo gramado, em frente às salas de aula. O Marista nos proporcionava um vasto espaço para o lazer nos intervalos.

Conversamos meio tropegamente, diante da minha ansiedade. Ela, ainda mais bonita de perto, provocava-me com um sorriso dengoso, que constratava com a sua segurança. Dois beijinhos, conversa vem e conversa vai, estávamos tendo o nosso primeiro encontro. Fosse mais corajoso, sem a timidez que tinha, poderia ter aprofundado, digamos assim, aquele momento. Mas estava bem para mim, ao menos naquele instante.

Ela se despediu com um beijo em meu rosto, sorriso farto e uma piscadela de olho. Foi, deixando comigo o meu coração aos pulos.

Nos dias seguintes, a mesma coisa, sempre. E como o tempo passasse em continuados encontros, a timidez foi cedendo assento à vontade do passo adiante, e parecia que chegara, enfim, a hora do beijo. Por encantamento, a minha boca buscou aninhar-se na dela, quando o seu rosto, suavemente, virou para o lado. Bejei-lhe a face.

E ficamos assim, ela me provocando e dando sempre um passo para trás, como fazem as dançarinas na roda de coco. E eu, atordoado, ia viajando como um Ulisses desprovido de cordas a prender-me em segura aventura. Até o dia em que, dominado e cansado, perguntei: "Por que não?".

Porque o meu pai não quer que eu namore, porque a minha mãe é dominadora, porque nunca namorei antes, porque tenho medo, porque, porque, porque...

Estava com a corda no pescoço, colocada por mim mesmo, e entreguei a ponta nas mãos daquela moça. E ela, com aquela orgulhosa maldade de quem subjugou o outro, não podia puxar a corda e por fim à brincadeira. Haveria de conservar-me preso, divertindo-se com os meus sentimentos.

Até o dia em que acordei. E já não vi mais a menina bonita, faceira, interessante. Vi apenas os gestos, as palavras não ditas, a tentativa de dominação pelo encantamento feiticeiro. E acordei do estado letárgico, da submissão imposta pelo querer. Foi assim que, para a supresa dela, não mais a olhei, não mais deixei me perder.

Não lembro o nome dela; não sei sequer direito quem ela era. Mas aprendi muito com o seu sinuoso modo de aprisionar, com o seu jogo de sedução. Bem, se nem sempre nos damos bem, ao menos lições devemos tirar, não é mesmo?!

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