terça-feira, 20 de dezembro de 2016

DO AMOR E DOS APETITES

Os apetites humanos buscam ser satisfeitos. Saciados, deixam de existir temporária ou definitivamente; não saciados, tendem a desaparecer naturalmente, superados por outros apetites. Nenhum desejo é estável ou longevo, fenecendo ou pela sua realização ou pelo seu esquecimento e superação.
O amor não é um apetite; sentimento é o que ele é. Ultrapassa o tempo, os contratempos, as dificuldades, a distância, os desgastes da presença cotidiana... Todavia, não é um sentimento qualquer. Os sentimentos afloram, se instalam e esfriam, ainda que não sumam. O sentimento de apreço, a empatia, o carinho, a saudade, as afinidades, por exemplo, são sentimentos presentes, que não desaparecem simplesmente, mas que não ditam o que somos.
O amor é um sentimento existencial, diz da nossa estrutura como seres situados na mundanidade do mundo. Amar nos autodefine porque já deixa em nós marcas na alma, para além das nossas vontades. Intemporal, ubíquo, constitutivo é o amor, podendo haver variantes tão-só nos apetites que faz nascer, aqui e acolá, em relação ao objeto amado.
O amor subsiste mesmo longe de quem se ama; o desejo, não. O amor se alimenta também na saudade, na ausência, na distância, nas impossibilidades, nas dificuldades; os apetites, não. O amor pode ser platônico; o desejo, não. Agora, o principal: o amor resiste ao convívio, ao cotidiano, aos desgastes da vida a dois; o desejo, apenas como apetite, nunca.
Tanto a distância como a presença constante são desafiantes para o amor, que se deixa desafiar porque se sabe tal. Ambas, porém, são terra árida para o desejo, porque os apetites precisam ser alimentados e logo satisfeitos, na fugacidade lhe é constitutiva.
Em resumo: o amor que tem medo da distância ou do convívio é pobre, frágil, imaturo. Porque amor que é amor só se compreende no apropriar-se e no se deixar apropriar, alimentando-se pela constância, pela força, pela coragem e, sobretudo, pelo querer o bem de quem se ama. Parece muito em um mundo tão propenso a quedar-se na fatuidade.