domingo, 31 de janeiro de 2010

O império do amor: Fla 5 x 3 Flu


Em um jogo eletrizante, o campeão brasileiro mostrou a sua força e a garra da camisa rubronegra: 5x3 no Fluminense, em uma virada fantástica, mesmo com um homem a menos (o zagueiro Álvaro foi expulso no início do segundo tempo, logo após o empate em 3x3).

O primeiro tempo foi do Fluminense, que jogou melhor e dominou a partida, sobretudo pelas excelentes jogadas do menino Maicon e o talento de Alan, outra promessa do nosso futebol. Diguinho foi outra peça importante na armação das jogadas mais incisivas. O Flu fez 2x0, levando um gol de pênalti. O primeiro tempo terminou em um desolador 3x1 para o Flu.

Andrade, mais uma vez, mostrou o porquê de ser um grande técnico. Mexeu no time, metendo Willians na lateral (a tentativa com Fierro na lateral não deu certo) e o excelente Vinicius Pacheco, em substituição a Pet e Fernando. Foi um segundo tempo arrasador: aos 8 minutos o jogo já estava empatado em 3x3.

Depois da expulsão de Álvaro, o Flamengo não deixou o Fluminense dominar, em uma impressionante dedicação e raça dos jogadores. Wagner Love, autor de um dos gols, foi todo entrega, ajudando na defesa e participando de um dos contra-ataques que terminou em gol de Adriano.

No final, um 5x3 supino, com a torcida do pó de arroz indo embora, deixando os hexacampões brasileiros sonhando com o tetracampeonato carioca. A dupla Adriano Imperador e Wágner Love mostraram que o império do amor é já uma realidade letal para os adversários.



FLUMINENSE 3 x 5 FLAMENGO

Fluminense
Rafael; Gum, Leandro Euzébio e Cássio (Kieza); Mariano, Diguinho, Everton, Darío Conca e Júlio César (Marquinho); Maicon (Willians) e Alan.
Técnico: Cuca

Flamengo
Bruno; Fierro (David), Álvaro, Ronaldo Angelim e Juan; Toró, Fernando (Willians), Kleberson e Petkovic (Vinícius Pacheco); Vagner Love e Adriano.
Técnico: Andrade

Data: 31/01/2010 (domingo)
Local: Maracanã, no Rio de Janeiro (RJ)
Árbitro: Marcelo de Lima Henrique (RJ)
Auxiliares: Dibert Pedrosa Moisés (RJ) e Luiz Antônio Muniz de Oliveira (RJ)
Cartões amarelos: Cássio, Everton, Diguinho, Júlio César e Willians (Fluminense). Juan, Álvaro, Ronaldo Angelim e Willians (Flamengo).
Cartão vermelho: Álvaro, aos 16 minutos do segundo tempo (Flamengo).
Gols: Alan, aos 14 minutos; Darío Conca (pênalti), aos 40minutos; Adriano (pênalti), aos 43 minutos; e Cássio, aos 46 minutos do primeiro tempo. Vagner Love, aos 7 minutos; Kleberson, aos 9 minutos; Adriano, aos 37 minutos; e Adriano, aos 44 minutos do segundo tempo.

Pais e filhos

A relação pais e filhos não é fácil. Aliás, nunca foi, mesmo em sociedades de formação patriarcal. Com a mudança cultural vivida pela revolução sexual (com a liberdade maior do desenvolvimento da sexualidade), revolução feminista (em que a mulher buscou o seu lugar no mundo, agora com a liberdade sexual obtida pelos meios contraceptivos, com luta pelos mesmos postos de trabalho dos homens) e revolução tecnológica, sobretudo através dos meios de comunicação (a internet e o celular mudaram as interações humanas, aproximaram globalmente as pessoas e permitiram o acesso direto e vertiginoso à informação), as relações familiares mudaram substantivamente.

Pais e mães passaram também a ver uma mudança no seu próprio papel, agora indefinido em certa medida. O pai provedor foi substituído, de vez que normalmente a mulher está no mercado de trabalho também, ajudando com as despesas da casa. Mesmo que assim não seja, o papel do pai passou a mudar também pela exigência de que ele se envolva mais no dia a dia dos filhos. Assim, com a igualdade na relação conjugal, não há mais uma hierarquia tácita no processo decisório: a própria educação passa a ser um processo de negociação entre os pais, que devem buscar conciliar valores, padrões e regras.

A família mudou, portanto. Mesmo aquela mais tradicional, com pais vivendo juntos e sem filhos de outras relações, passaram pelo influxo dessas mudanças profundas, o que implica em não sobrevalorizar nenhum deles no processo educativo.

Na revista Veja desta semana, há uma ótima entrevista com o psicólogo Jerome Kagan (aqui), em que ele mostra que a mãe não é mais influente do que o pai no início da vida do filho, tendo ambos um papel importante e, evidentemente, diferente. As mães, que em razão do processo de gravidez, depois pela amamentação, tornam-se fundamentais para o desenvolvimento físico e emocional da criança, muitas vezes terminam vendo os filhos como sendo seus, sobrevalorizando a sua importância em relação à do pai. Esse equívoco, quando estimulado, muitas vezes leva a um excesso de proteção da criança, uma dependência exagerada da figura materna, em imenso prejuízo futuro.

É pelo diálogo e compreensão mútua que o casal pode encontrar um justo equilíbrio na formação dos filhos, gerando um processo educativo dinâmico, maduro e consequente. Assim, os pais podem complementar os seus carismas, a sua visão de mundo, auxiliando a formação equilibrada de filhos saudáveis. Numa visão complexa da vida, podem gerar aquela força unitiva na diferença, que só o amor verdadeiro é capaz.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Música do Fim de Semana: Pais e Filhos

Legião Urbana foi um conjunto que marcou os anos 80 e 90, com músicas de letras bem trabalhadas. Renato Russo, o seu líder, morreu precocemente, deixando um legado para o rock nacional, fazendo da irreverência e inteligência o seu diferencial. A música de hoje fala por si.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Sequestro por telefone

Era para ser dois dias de descanso, ao menos. Como férias não tive, dois dias serviriam ao menos para a família estar junta, curtindo um pouco o convívio dos três. Qual nada. Ontem, fomos à praia, mas nem tudo foi positivo. Nada demais, mas não foi tão proveitoso como poderia ser. Hoje, a ideia era sair da cidade. Era. Porque os meus pais foram vítimas do golpe do sequestro por telefone.

O golpe é antigo, muita gente sabe que ele existe, mas na hora em que ocorre e pega a vítima de surpresa é um sai de baixo... Como ele funciona? Uma matéria de 2007 do G1 (aqui) explica muito bem:
"Uma variante de um golpe já conhecido pela polícia está assustando um número crescente de pessoas em São Paulo. O anúncio, por telefone, do falso seqüestro de um parente ganhou "efeitos especiais". Seis pessoas ouvidas pelo jornal "O Estado de S. Paulo" foram vítimas do crime nos últimos 30 dias. Depois de escolher um número, geralmente de forma aleatória, a maioria dos criminosos faz uma chamada a cobrar, em um celular pré-pago, e coloca na linha uma pessoa gritando ou chorando, para simular o desespero do suposto refém.

A voz - muitas vezes as quadrilhas usam gravações - some rapidamente, sem dar tempo para que o parente tente trocar algumas palavras, o que aumentaria o risco de a farsa ser descoberta. Em seguida, começam as ameaças. A ligação costuma ocorrer de madrugada, entre 4 e 5 horas, para pegar a vítima com sono e desprevenida.Foi o que ocorreu com uma jornalista de 50 anos, moradora da zona sul da capital. Às 4h30 do dia 3 de janeiro, ela atendeu ao telefone e ouviu uma voz feminina aos berros: "Mãe, eles vão me matar".

Confusa, ela acreditou que se tratasse de uma das filhas, que estavam viajando. Só desconfiou do golpe por um motivo quase cômico. "Uma hora ela disse: 'eles vão matar eu (sic)'. Minha filha não cometeria um erro de português desses." Ela desligou, mas só foi se acalmar quase uma hora depois, quando conseguiu falar com as filhas."

Foi isso mesmo que aconteceu. Por volta de meia-noite o telefone tocou na casa dos meus pais. Mamãe acordou e atendeu sobressaltada. A chamada era a cobrar. Mãe é mãe e já pensa logo no pior: poderia ser um filho (todos ainda criança, como eu, o caçula, com a minha tenra idade de 40 anos) necessitando dos cuidados da mãe zelosa. Do outro lado da linha, uma voz feminina dizendo desesperada: "- Mainha, eles me sequestraram!". Em seguida, entra o sequestrador, que fez toda a sorte de ameaças, dizendo que não desligasse o telefone, que não falasse com ninguém, senão ia matar a minha irmã. O papai sentou-se ao lado da mamãe, acompanhando aquele diálogo terrível. Vez por outra, os dois se comunicavam por bilhetes, a mamãe pedindo que nós não fôssemos chamados para não colocar a minha irmã em risco.

Ora, meus pais ficaram nesse mundo paralelo durante toda a madrugada, sem dormir, sob intensa pressão psicológica. Pela manhã, a mamãe teve que ir ao banco, sempre com o celular ligado e com o sequestrador do outro lado da linha, para fazer um depósito em contas indicadas, além de obrigá-la, antes, a comprar crédito para celular e passar a numeração para ele.

Mesmo diante da insistência do gerente do banco, alertando para a farsa, a minha mãe, em seu desespero, determinou o repasse de parte do dinheiro pedido, até que a farsa finalmente se desfez e ela caiu em si: o golpe fora bem sucedido mesmo assim, ao menos em parte.

Ficamos todos com um sentimento de raiva e impotência. Afinal, meus pais são pessoas idosas, que não mais toleram esse tipo de intensa emoção. Foram levados a Santa Casa de Maceió, fizeram exames e, graças a Deus!, constatou-se que estavam bem, sendo liberados em seguida, medicados levemente apenas preventivamente.

Conto esses fatos aqui apenas para alertar a todos os que lêem que ninguém está livre desse tipo de golpe, sendo importante alertar as pessoas próximas para não se submeterem a isso: na dúvida, exijam falar com a suposta vítima do sequestro. Sem isso, desliguem o telefone. É lorota.

Ah, os velhos estão bem e já demos boas risadas depois de tudo. Afinal, rir é ainda o melhor remédio diante desses episódios da vida.
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Atualizado às 17h03, de 30 de janeiro de 2009.
Agora que o sufoco passou, o inusitado. A mamãe, tão preocupada em salvar a vida da filha, ficou toda a madrugada com o telefone ligado, porque o sequestrador não a deixava nem dormir nem desligar. Pela manhã, a mamãe queria ir ao banco ao menos tomada banho. O sacana não se fez de rogado: sem problemas, desde que ela tomasse banho com o telefone ligado para escutar o barulho da água do chuveiro e ter certeza que ela não iria chamar ninguém. Entre a razão e a vida da filha que supostamente corria perigo, obviamente a mamãe obedeceu e permaneceu com o telefone ligado.

O meu irmão Dom Henrique, que esteve esses dias em Maceió, levou o papai e a mamãe para a Santa Casa, para aquele exame preventivo. E não é que o sequestrador telefonou novamente para a mamãe? Aí foi ele quem atendeu e tentou convertê-lo a ser ovelha de Deus: "- Seu filho da #@&@, vamos botar a polícia atrás de você....". Foi um sermão rápido, mas eficaz.

Venezuela: democracia ameaçada; Brasil: sonho bolivariano.

Evitei falar aqui sobre o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), sobretudo porque sobre ele tenho as mesmas opiniões críticas expressadas por Reinaldo Azevedo em seu cada dia mais influente e indispensável blog (aqui). O PNDH-3 é um programa tupiniquim de cunho bolivariano, cuja finalidade principal é institucionalizar certas taras da esquerda latinoamericana, como o "controle social da mídia", uma expressão cunhada para esconder o seu real sentido e interesse: o controle partidário da mídia, submetida à camisa de força de sindicatos, ONGs e do aparelhamento estatal feito pela militância petista e cutista (o que é quase a mesma coisa).

O PNDH-3 é um longo texto escrito em linguagem repleta de macaquices acadêmicas, típicas de uma panelinha metida a intelectual, que faz de expressões boçais um diferencial para dar o verniz de intelectualidade ao que escrevem. Reinaldo Azevedo deu conta da expressão transversalidade, para significar aquela ideia ou conjunto de políticas que perpassariam diversos segmentos como educação, cultura, esporte, comunicação etc. Tudo no governo federal haveria de ser transversal, justamente para permitir que a lógica/ideologia da ala mais anacrônica do petismo pudesse trazer para a sua zona de influência temas que não lhe estariam afetos, como as políticas públicas sobre a comunicação social, por exemplo.

Os bolivarianos tupiniquins desejam a venezuelarização do Brasil, transformando o país naquele circo dos horrores em que vem se transformando o país comandado por Chávez. De fato, Chávez conseguiu, com a sua longevidade no poder, destruir a mídia local, solapando a liberdade de expressão e passando para o governo 70% dos meios de comunicação social. As maiores redes de televisão perderam a sua liberdade, sendo perseguidas, como a Globovisión, ou simplesmente fechadas por falta da renovação da concessão pública, como a RCTV. As rádios foram em sua maioria esmagadas, deixando cada vez mais a população tendo acesso apenas às informações oficiais, em uma política que é claramente inspirada em Cuba, do companheiro Fidel Castro.

É certo, porém, que a destruição econômica da Venezuela pelo modelo bolivariano é sentida pelas pessoas em suas vidas práticas. Falta água, há escassez de energia elétrica, faltam alimentos, a inflação começa a fragilizar o poder de compra, há fuga de capitais, a nacionalização das empresas tornou a indústria ineficiente... Ou seja, o socialismo do século XXI, anunciado pelo chavismo, nada mais é do que uma ditadura corrupta, incompetente, que usa o terror como método (Chávez criou milícias paraestatais inspiradas no nacional-socialismo de Hitler) e a manutenção do poder absoluto como fim.

A sociedade começa a reagir contra a ditadura bolivariana. Como sempre, os estudantes estão à frente da resistência, lutando por liberdade de expressão e pela democracia. A foto publicada pelo jornal El Nacional, que correu o mundo, mostra como a ditadura chavista é símile às demais ditaduras na hora da repressão aos que lutam por liberdade: as armas são os argumentos usados contra a juventude. Outra, publicada na Veja (lá em cima, de Leonardo Ramirez/AP), mostra o silêncio imposto aos estudantes.

E a nossa esquerda? O que falaram sobre essas imagens os nossos bolivarianos? O que disseram sobre os últimos suspiros da democracia na Venezuela os autores intelectuais da Comissão da Verdade? Nada, senão o apoio velado ao regime totalitário venezuelano. A UNE, que no passado fora uma organização brasileira respeitada, que fez a história lutando contra a ditadura, é uma entidade pelega, que faz o jogo da esquerda anacrônica, amparada em muita grana que recebe do governo federal. Não se manifestou uma única vez em favor dos estudantes venezuelanos, até mesmo porque Chávez parece ser o ídolo dessa turma que aparelha a UNE dos dias atuais.

Bem, se não há canais de comunicação de massa disponíveis, os venezuelanos fazem o que se faz no Irã e na China: internet neles! E aqui contribuímos, dentro dos nossos limites, com a democracia, replicando o vídeo em que a população dá o seu recado ao ditador. Como informa Reinaldo Azevedo, "O evento ocorreu no domingo passado, dia 24, no Estádio Universitário, em Caracas. Um grupo de estudantes começa a gritar “1, 2, 3, Chávez tas ponchao”, gíria que quer dizer “fora do jogo”. A palavra de ordem toma o estádio e é repetida num coro de milhares de vozes. Esse grito é intercalado com outro: “Sucio/ sucio/ sucio”: “Sujo/ sujo/sujo”. Manifestação semelhante já havia acontecido em Valencia, e a polícia desceu o sarrafo. No domingo, apesar da presença de policiais da tropa de choque (vê-se um deles no vídeo), nada pôde ser feito. Era impossível descer o porrete no estádio inteiro". Viva a liberdade de expressão!!!

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Caminhantes

Algumas vezes, o fundamental nas buscas é o gesto. Nem sempre encontramos o que desejamos, ainda que dando voltas na vida, como se ela fosse um hotel cheio de quartos vazios. O importante, porém, é o movimento de estar sempre procurando, querendo, com a certeza de que se as coisas não aconteceram, virão um dia.

Muitas vezes não temos as respostas. Mas o saber esperar, a paciência, a maturidade, faz com que o gesto de procurar seja válido por si mesmo, ainda que frustrado.

Quantas vezes desistimos diante dos primeiros insucessos. Mas não são eles que nos fortalecem para a vida e inspiram os sucessos seguintes? Como poder acertar o amanhã sem que, em alguma medida, o hoje nos oponha obstáculos?

Cedo aprendi que a vida é processo dinâmico de construção e que as frustrações existem para serem suplantadas. E se não conseguimos aquilo que desejamos, paciência!, a vida poderá ofertar outras possibilidades, já agora com a experiência presente em nós.

O fundamental é rir da vida, rir com ela, superando sempre aquilo que nos fustiga, abrindo o caminho para o horizonte que se nos apresenta: o dar certo ou errado, o ser hoje, amanhã ou nunca mais, são circunstâncias que apenas atestam uma coisa: estamos vivos e seguimos como bons caminhantes.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Santo Subito

Livro diz que João Paulo II quis renunciar ao pontificado

Ter, 26 Jan, 05h43

Cidade do Vaticano, 26 jan (EFE).- João Paulo II assinou em 1989 uma carta na qual expressava sua vontade de renunciar ao pontificado caso sofresse de uma doença incurável que o impedisse de exercer a atividade e ratificou a decisão em 1994, diz um livro do principal defensor de sua canonização, o sacerdote polonês Slawomir Oder.

Oder escreveu junto com o jornalista italiano Saverio Gaeta o livro "Perché è santo" ("Porque é santo", em tradução livre), no qual também afirma que João Paulo II se autoflagelava.

A obra começará a ser vendida amanhã e teve trechos antecipados hoje pela revista "Famiglia Cristiana".

Em 1994, quando estava prestes a fazer 75 anos - idade na qual bispos e cardeais são obrigados a apresentar sua demissão ao pontífice - João Paulo II se questionou se deveria aplicar essa norma ao seu caso e fez consultas a responsáveis da Secretária de Estado e aos colaboradores e amigos mais íntimos.

Um deles foi o atual papa e então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger.

No final, João Paulo II, que sofria de mal de Parkinson, decidiu "colocar-se nas mãos da Providência", conta Oder.

Segundo Oder, João Paulo II disse ao médico Gianfranco Fineschi em 1994, quando o operava de uma fratura no fêmur, que ambos tinham apenas uma escolha: "Você deve me curar e eu tenho que ficar curado, já que não há posto na Igreja para um papa emérito (aposentado)".

Já em seu testamento, aberto em 7 de abril de 2005, cinco dias após sua morte, João Paulo II deu a entender que pensou na possibilidade de renunciar ao Pontificado após o jubileu de 2000,com a Igreja Católica conduzida ao terceiro milênio.

Segundo outros veículos de imprensa que tiveram acesso a "Perché è Santo", Oder também diz que João Paulo II costumava se autoflagelar.

Durante a Quaresma, por exemplo, comia apenas uma vez ao dia. Em certas ocasiões, dormia no chão, uma conduta que já tinha desde sua época de arcebispo da Cracóvia, segundo Oder.

De acordo com Oder, o papa tinha em seu apartamento do Vaticano um cinto que usava para se autoflagelar e que levava consigo sempre que visitava a residência de verão de Castelgandolfo.

Oder também revela que o grupo terrorista Brigadas Vermelhas tentou sequestrar João Paulo II antes do ataque armado cometido em 13 de maio de 1981 pelo terrorista turco Ali Agca na Praça de São Pedro.

Em 19 de dezembro de 2009, o papa Bento XVI proclamou João Paulo II como "venerável", primeiro passo rumo à santidade do pontífice polonês.

A assinatura do decreto não representa a imediata beatificação de Karol Wojtyla, já que ainda falta a aprovação de Bento XVI do milagre que levará à proclamação de seu antecessor como beato.

A aprovação desse milagre pode acontecer em 17 de outubro deste ano, coincidindo com a data na qual foi eleito pontífice em 1978. EFE

JL/bba

Lembranças de W.

Era ela uma menina bonita. Lembro-me dos olhos verdes, da pele alva, o cabelo liso e curto. Era a 6ª série do Marista. O nome dela era W. Gostava de conversar com ela, mas não cheguei a gostar dela de outra forma que não como amigo. Porque bonita, era muito popular; porque também simpática, tinha dos meninos uma atenção a mais.

W. era precoce e fisicamente parecia ter em idade mais do que realmente possuía. Com isso, despertava o interesse de meninos mais velhos do que nós. Não raro os rapazes que estudavam nas turmas mais adiantadas da manhã e faziam exercícios à tarde passavam pela nossa sala, para conversar com ela. E pegavam em suas mãos em conversas animadas de corredor; e passavam as mãos nos cabelos dela, que permitia entre sorrisos; e brincavam aqui e ali com abraços nem sempre tão inocentes. W. sorria e permitia as brincadeiras desses meninos mais velhos. Isso começou a despertar a reprovação das suas colegas, e, depois, das suas amigas, que passaram, também elas, a ser objeto de comentários pouco edificantes das meninas da turma.

W. não ligava, porque gostava do convívio dos rapazes e de se sentir desejada por eles. Era um jogo gostoso que ela estimulava, com um que de inocência, sem consequências práticas. Até que um dia - pouco importa se era verdade ou não - alguém disse que dormiu com ela. E a história se espalhou no colégio. Naquela época não era comum as adolescentes irem namorar em motéis, ter experiência sexual na adolescência. Não. As que iam, eram logo conhecidas e mal vistas por todos, como meninas para o lazer, não para um relacionamento sério. W. ficou marcada, então. E perderam por ela o respeito.

Lembro-me do dia em que íamos ter as últimas provas daquele ano. Estávamos no corredor, esperando o professor de geografia que iria aplicá-la, quando ouviu-se aquele enorme burburinho. Olhei e vi W. correndo com colegas nossos em seu encalço, em grande algazarra, tentando pegar em seus seios. Ao passar por nós com os braços em "x" sobre os seios, segurando ambos os ombros, tentando proteger-se das mãos que tentavam buliná-la, W., às lágrimas, ainda recebia de alguns apertos em suas ancas, enquanto tentava se desvencilhar daquele corredor polonês.

Impressionou-me aquela reação coletiva, o desrespeito quase criminoso, além da perda de dignidade de W., exposta àquele vilipêndio. A menina bonita se transformara em uma Geni, em uma pessoa rejeitada, como se fora um pária. Simplesmente porque incomodava a algumas colegas, que a invejavam, ou a alguns meninos, que a desejavam mas não podiam tê-la.

Não sei por onde ela anda, nem o que é feito dela. W. deixou de estudar no colégio. Como a aluna Geise, da Uniban, ela foi objeto de sentimentos primitivos, gerando reações simplesmente irracionais, não explicáveis. Faltou quem a orientasse, quem pedisse que ela se resguardasse, justamente pela inveja que despertava. Faltou quem pudesse protegê-la das suas virtudes, transformando-as - ao menos aos olhos de alguns - em gravíssimos defeitos.

Bem, W. cedo descobriu como funciona a nossa sociedade. Não sei se aquele acontecimento amputou a sua alma, tampouco as consequências para a sua vida. Sei, porém, que essa lembrança me invadiu por um acaso, refletindo sobre a educação e o papel dos pais. De repente, lembrei de tantos rostos e acontecimentos daquela época, como a menina que, em uma viagem da turma, deixou-se flagrar mantendo relações com um dos nossos. Fizeram uma roda, enquanto no centro ambos desfrutavam o resultado da bebida em alta dosagem. A menina continuou no colégio e não foi, diferente de W., objeto de reações como aquela. Por quê? Talvez porque não despertasse tantos sentimentos contraditórios como W., como a inveja e o desejo, ambos desmedidos.

Ah, o Colégio não era permissivo, não. Mas já estávamos entrando em novo tempo, em que os limites para os adolescentes foram sendo esquecidos pelos pais. A tolerância era grande e as inconsequências de muitos, também. Resultado: o imponderável.

Não há desculpas naquelas reações contra W., nem justificativa alguma. Uma coisa, porém, é certa: W. não se preservou, não se protegeu contra as invejosas. Ela creu muito nas pessoas; foi inocente em se achar acima do julgamento dos que, na verdade, queriam ser/ter W. A inveja mutila; o desejo desmedido insatisfeito, igualmente. Ambos desumanizam e destroem; ambos querem se apropriar do objeto invejado/amado ou vê-lo destruído. E W. não soube se defender, flertando com o perigo, expondo-se mais do que seria prudente.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

"Si isti et istae, cur non ego?"

Dedico este texto aos que sonham, aos que têm a capacidade de admirar e, com isso, buscar humildemente modelos. Dedico ao meu pai. Ele sabe o porquê.
Uma pessoa olhou para mim e disse: "Poxa, vou estudar muito para um dia ser preparado, mas nunca conseguirei ser como você". Vi nos olhos dela uma humildade sincera, uma admiração pelos meus estudos. E por isso respondi com uma frase tantas vezes ditas e reditas pelo meu pai (um grande educador....), seja nas conversas com os seus filhos, seja nas salas de aula (quando lecionava de modo desprendido para distribuir o saber para toda uma geração de crianças junqueirenses), ou ainda em tantas oportunidades em que quis estimular as pessoas que pediam os seus conselhos: - "Se eles puderam, elas puderam, porque eu não posso?" ("Si isti et istae, cur non ego?").

Estímulos. Educar é estimular para o bem, para os bons valores, para a autoconfiança, tudo isso demarcando limites. Tudo o que somos é produto da educação e dos nossos esforços.

Quando eu era estudante de Dierito, o papai me apontou, certa feita, um grande advogado, reconhecido em Alagoas como um homem culto. E aí ele dizia: " Filho, fulano é um bichão!!!". Duas expressões serviam para o papai definir positivamente um homem: trabalhador e bichão. "Bichão", no discurso do papai, queria dizer grande, competente, temido, capaz, admirável. Tudo isso junto, resumido em uma única palavra. Olhei para o advogado indicado pelo meu pai e pensei: - "Quero ser igual a ele; quero ser tão bom quanto ele!". Olhei com admiração, não com inveja; olhei como quem olha um modelo a ser seguido. A inveja é a perversão da admiração, nascida da impotência e do orgulho ferido. Quantos ficaram pelo caminho porque não souberam admirar, alimentando em si não a virtude do exemplo mas o veneno do ciúme e da baixa autoestima?

Em 1990 fui presenteado pelos meus pais com uma viagem para Minas Gerais, para participar de uma conferência nacional da OAB. Estava no segundo ano do curso de Direito. Viajei com muito interesse. Na entrada do Minascentro, onde ocorria o evento, ficavam estandes de livrarias. Parei diante da Sérgio Fabris Editora, que estava editando o livro Teoria Geral das Normas, de Hans Kelsen. Um amigo chegou perto de mim, puxou-me pela manga da camisa e apontou-me um senhor de idade, parado ali pertinho de onde estávamos: "Adriano, olha o Calmon de Passos!". Eu era leitor do processualista baiano. Vindo da província, estar ao lado de autores de obras era como estar uma realidade paralela. Aliás, era como eu me sentia naquele momento, olhando para aquele homem de cabelo branco, terno preto, fisionomia fechada, absorto diante de obras que compulsava como um adolescente. Naquele momento, a única coisa que pensei foi que ele era de carne e osso. Olhei-o bem, com atenção. Calmon de Passos! Ah, que belo livro ele escreveu de comentários ao Código de Processo Civil! A minha cabeça maquinava: mas se ele pode, porque não eu? O que há neste homem de diferente de mim? A resposta veio como sempre vem nessas horas: o tempo dedicado ao estudo, os sacrifícios que fez, as horas gastas meditando!

Nos dias seguintes, pude assistir as palestras de Mauro Capelletti, Canotilho, Eros Grau, Celso Antônio Bandeira de Mello et caterva. Voltei daquela viagem vivamente marcado. Aquelas pessoas cujos pensamentos eram objeto das minhas atenções estiveram ali diante das minhas retinas. E eram gente como a gente, homens que chegaram lá porque se esforçaram, foram dedicados. Voltei para a província com o espírito inquieto, com uma sede abundante de estudo. Pensei comigo que um dia ainda estaria fazendo uma palestra no Minascentro. Voltei diferente do que fui. A frase de Santo Agostinho batendo nos seus ouvidos: "Eles puderam, elas puderam, porque eu não posso?".

Comecei a me dedicar com disciplina. E não foi fácil, por diversas razões. Muitas vezes me angustiava pensando que poderia estar errado, porque doava muito tempo ao estudo de textos densos, profundos, que exigiam muito da minha atenção. Não eram leituras fáceis aquelas que eu fazia, sem ter com quem conversar sobre elas, com quem debater a respeito das minhas inquietações intelectuais; sem ter, enfim, nenhum orientador. Era eu comigo mesmo e os livros.

Jogava bola sempre (normalmente, todos os dias da semana, às 17 horas, em um campinho vizinho da minha casa), namorava, saia com a minha turma (a turma do funil, como chamávamos), mas renunciei a muitas coisas. Os meus fins de semana eram de estudo pela manhã e à tarde. Folga, só à noite. No carnaval, quando fiquei em casa de praia, como a família da minha namorada, depois de todo mundo dormir, eu ia estudar. Estudava das 23 horas até às 04 horas da madrugada. Dormia até às 11 horas, levantava e ia para a praia, passava o dia brincando (sem beber) e à noite, depois de todo mundo dormir, enfrentava nova jornada de estudo. Lembro das longas leituras da obra de Ovídio Baptista da Silva sobre a coisa julgada.

A mesada que o papai me dava era toda investida em livros. Vivia sem dinheiro no bolso. A minha namorada da época muitas vezes pagava a conta da pizza... (Que cara de pau eu fui, não?!) Mas foi assim, investindo tudo o que ganhava em livros, que fiz uma boa biblioteca para pesquisar. Quando a mesada passou a ficar insuficiente para adquir todos os títulos que queria, e o papai já não aguentava pagar tanta conta de livros, passei a ensinar matemática particular. (Eu sempre fui péssimo em matemática, aliás). Alguns estudantes do ensino fundamental da 6ª, 7ª e 8ª séries da época passaram a estudar lá em casa, e eu ocupava as tardes de terça e quinta-feira com essas aulas de reforço. Continuava eu com os bolsos vazios, mas as minhas estantes estavam ficando ricas e sortidas.

Falei da solidão nos estudos. Esse foi o maior desafio: a ausência de um interlocutor. Tive que buscar sozinho os meus caminhos, sem que ninguém me apontasse autores, temas, livros. Fui aprendendo sozinho a separar o que era relevante do irrelevante, normalmente consultando a bibliografia daqueles autores com quem me identificava. Dou um exemplo: na livraria, folheei a 4ª edição do Curso de Direito Tributário de Paulo de Barros Carvalho. A densidade da obra me chamou a atenção, além da linha de sabor pontesiano. Estudando a obra, chamou-me a atenção as inúmeras citações de Lourival Vilanova, sobre lógica jurídica. Comprei As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. Comecei a estudá-la também. Esse livro era terrível para não iniciados. Expressões que nunca havia visto, como functor, sincategorema, conectivo, lógica apofântica, lógica deôntica e outras tantas. Usei o método que aprendi estudando os Comentários de processo civil de Pontes de Miranda: ler, mesmo sem entender, um capítulo inteiro ou uma longa passagem, concentrando-se nas expressões que o autor dá importância, tentando entender o seu uso. Depois, ler novamente a mesma passagem ou capítulo, observando agora o que foi compreendido e tentando tirar novas lições. O que não foi entendido, deixar anotado para futura nova leitura. Seguir em frente, lendo novo capítulo ou nova longa passagem. Ler novamente esse segundo texto, agora tentando casar com o lido no primeiro. Nessas idas e vindas constantes, tentar conciliar as expressões, os conceitos, os usos do autor.

É um trabalho duro, cansativo e desgastante. Mas sempre usei, e ainda uso, esse método. Qual a vantagem dele? O estudo invade a intimidade do texto, expõe as suas contradições (quando existem) e deixa à mostra a nervura que lhe dá consistência e o mantém de pé.

Bem, volto ao início dessa longa narrativa. Ninguém pode ser bom em sua profissão sem dedicação e entrega. Podemos não ser o melhor, mas devemos ser o melhor do que podemos. Com esforço, com determinação, porque "Si isti et istae, cur non ego?". Por isso, termino esse post com um texto que gosto muito:

Seja o melhor que puder

Se você não puder ser um pinheiro no topo da colina
Seja um arbusto no vale mas seja o
melhor arbusto à margem do regato.
Seja um ramo, se não puder ser uma árvore.
Se não puder ser um ramo, seja um pouco de relva
e dê alegria a algum caminho.
Se não puder ser almíscar, seja então apenas uma tília,
Mas a tília mais viva do lago! Não podemos ser todos capitães,
temos de ser tripulação.

Há alguma coisa para todos nós aqui. Há grandes obras e outras menores a realizar e é a próxima tarefa que devemos empreender
Se você não puder ser uma estrada, seja apenas uma senda.

Se não puder ser sol, seja uma estrela, não é pelo tamanho que terá êxito ou fracasso, mas seja o melhor, do que quer que você seja!

Douglas Malloch


"Pertencialidade"

Uma educadora fez hoje uma preleção para os pais novatos. Uma bela explanação. Poderia enfatizar vários aspectos, todos aqui e ali tratados por mim neste blog: cabe aos pais educar, passar os seus valores, dar os limites, estimular o diálogo. A escola tem uma importante função coadjuvante, sobretudo hoje em que as famílias são menores, sem tantos filhos: na escola é que começa o processo de vivência coletiva, a passagem da experiência privada para a pública. As crianças aprendem a competir, a respeitar o espaço alheio e a defender o seu próprio espaço. Começa a aprender regras de convívio e, mais ainda, pô-las em prática.

De toda a rica explanação feita pela diretora da escola, Vera, uma palavra me chamou mais ainda a atenção: o sentimento de pertencialidade, neologismo com o qual ela sublinha a relação da criança com as suas coisas, como os brinquedos, a bolsa, os livros, a roupa.

As crianças cujos pais têm alguma condição financeira estão muitas vezes saturadas de tantos presentes, de tantos brinquedos, que já não valorizam a relação com eles, o sentimento de responsabilidade e cuidado. Ganham um tênis, por exemplo, curtem e perdem, para já no outro dia ganhar novo tênis, sem sequer sentir as consequências da perda. Saturadas de terem tudo, não aprendem o valor das coisas, o zelo por elas, o sentido da conquista. Uma criança que perdeu o relógio em um dia e já chegou no colégio, no dia seguinte, com outro relógio, não pode saber o significado da perda, o sacrifício para a conquista e a alegria por merecê-la. Serão os adolescentes sem limite de amanhã, os adultos problemáticos que não foram estruturados para os desafios da vida.

A relação de pertencialidade não é o estímulo ao individualismo. Ao contrário, é o ensino do valor das coisas, fazendo com que a criança desenvolva o seu espaço, o seu mundo, que não é descartável simplesmente, como o relógio do exemplo dado. Assim, a criança amadurece a sua relação com as coisas, com as pessoas, consigo mesma. Descobre que é preciso cuidar para ter. Como a mãe que deixou a criança ir um dia descalça para a escola, depois que o filho perdeu o tênis, no dia seguinte outro tênis e no outro a sandália. Sabendo as consequências da falta de cuidado, aprendeu a criança a importância das suas coisas, o zelo pelo seu mundo.

Quantas vezes a nossa ética faz descartáveis as pessoas? Usamos para depois rifá-las sem nenhum respeito, nenhuma razão, nenhum cuidado, seja nas relações pessoais, profissionais, ou afetivas. Porque simplesmente falta o desenvolvimento maduro da pertinencialidade desde a infância.

Bem, o valor da educação é imenso e a responsabilidade que repousa sobre os pais, ingente. Se bem soubéssemos, seríamos parceiros da escola, vendo nela uma ferramenta fundamental no desenvolvimento dos filhos, porém sabendo que é nossa, dos pais, a responsabilidade de educar e pôr limites.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Música do fim de semana: Lionel Ritchie - Stuck on you

Essa música fez muito sucesso nos anos 80, sendo uma das que mais gosto de Lionel Ritchie. Um bela melodia, romântica, com o talento do cantor americano:

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Crônica da semana: Mingau de Barro

Era um domingo como outro qualquer. O sol estava a pino, deixando mais azul o céu sem nuvem de Junqueiro. Subimos na carroceria da caminhonete da padaria, usada normalmente para levar pão para ser vendido nos povoados. Estávamos todos felizes com o passeio: meus irmãos, Sérgio, Hélio, algumas outras crianças que a memória embotou nomes e rostos, como uma fotografia antiga. Fomos para o poço, naquele sítio que era chamado pomposamente de Fazenda Dois Irmãos, uma homenagem ao Helinho e ao Serginho. O avô materno preferia denominá-la de Fazenda Três Cachorros, aludindo às constantes brigas entre os netos e, ao mesmo tempo, homenageando a cachorrinha Laika, que alegrava o seu ocaso na senectude.

Poço era como chamávamos a pequena represa da água de um riacho, feita de cimento e tijolo, que formava uma espécie de piscina. Adorávamos esse passeio, acompanhado de uma boa farofada, galinha cozinhada e refresco de laranja. Crianças, pulávamos naquela água limpa que não tardava em ficar escura, com tanta gente removendo a areia do fundo. Pouco importava: escura ou não, brincávamos ali mesmo, num mingau barrento que dava gosto.

E a manhã toda era uma festa, com brincadeiras divertidas, músicas cantadas por todos (Roberto Carlos dominava o repertório, claro!), sem qualquer preocupação com o tempo ou afazeres. Éramos crianças felizes, brincando na realidade que tínhamos e com a qual nos sentíamos alegres, seguros, plenos. Para as crianças, penso eu, o que traz a felicidade é o ambiente sadio, pouco importando se com ótimos brinquedos ou não. Porque a criança brinca com a imaginação, com os sonhos, com as historinhas criadas pela própria fantasia.

O sítio era cercado por pequenas propriedades de agricultores simples, separado delas por uma cerca velha de madeira. Com as suas árvores frondosas, que davam gostosas sombras, ficávamos ali, pós "banho de barro", cantarolando, servindo-nos do almoço levado em marmiteiras, felizes como se estivéssemos em uma grande jornada. Eita, que lembrança boa me invadiu! Quase consigo sentir o cheiro do mato, o gosto da água barrenta que sem querer engolia em cada mergulho, a lama nos pés debaixo d'água, o cimento carrasquento em que nos encostávamos entre um mergulho e outro... Uma saudade da infância, dos dias inocentes, em que não tínhamos o peso das responsabilidades, apenas o infinito da imaginação como fronteira.

E voltávamos cantando ainda mais animados, Seu Zé Cruz e a Dona Hélia à frente, na boleia, conduzindo aquelas crianças todas, cuja felicidade não se podia medir. E logo avistávamos Junqueiro da nossa infância, aquela cidade que existe em minhas lembranças e na imensa saudade que sinto.

Se não nos lembramos de quem fomos, como podemos saber realmente quem somos? Se não amarmos a nossa história, os limites que tínhamos, as dificuldades vividas, como ser realmente felizes, seguros para a lida diária? Quando lembro de onde vim, do pouco que foi feito tanto, da imaginação que superava eventuais faltas, sinto-me tão alegre, podendo voltar os olhos molhados para aquela criança que fui e que vive em mim, sentindo uma profunda gratidão. Aquela criança de Junqueiro soube viver, soube brincar, soube ser criança. E por isso Junqueiro da minha infância, com todos os seus personagens, habita em meu coração.


segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

"Por quê?"

Uma das coisas que mais me encantam nas crianças é a sua capacidade de sempre perguntar o porquê de tudo. O céu é azul por quê? Por que o sinal fica vermelho? Por que o carro se move? São perguntas que são muitas vezes impossíveis de serem respondidas, muitas vezes inclusive por não sabermos a resposta ou por ser ela complexa demais para ser dada.

E é engraçado que, já adultos, também muitas vezes nos surgem porquês sem respostas possíveis, simplesmente talvez por não sabermos ou por não encontrarmos as razões. Quantas coisas ocorrem em nossas vidas, quantos gestos tomamos, sem que possamos honestamente saber explicar? Simplesmente tomamos a atitude porque não tomá-la também poderia carecer de sentido, poderia não apenas estar vazia de razões, acrescida do agravante de não ter ao menos experimentado o gesto, ido além do que a princípio seria o mais razoável.

Quantas vezes agimos assim e, posteriormente, continuamos sem as respostas todas, mas com a certeza de que foi bom, de que a coragem valeu, de que o gesto sem razão explícita foi ainda assim importante pela própria razão de ser, pelo significado bonito, pelas cores novas que ornam a vida e fazem os próprios porquês perderem sentido...

O mundo infantil tem muito a nos ensinar. É o mundo em que o aprendizado ocorre de forma lúdica, sem peso, sem muitas buscas de respostas. Para elas, as crianças, mais vele a própria pergunta, pouco importando que venha uma resposta ou que ela, sendo dada, faça algum sentido. "Por que o céu é azul?". Vale a resposta "porque o Papai do Céu pintou", pouco importando a quantidade de tinta que ele tenha usado para essa empreitada. Mas a vivência do azul do céu está ali, rica, plena, cheia de riqueza para a alma infantil, que vive o momento e se faz feliz com ele.

Aprendi hoje um pouco dessas lições. Diante de perguntas sem respostas possíveis, vale a pergunta em si e a sua vivência, sem que, ao fim, a resposta tenha um valor em si mesma. E como crianças, podemos então olhar a vida azulada, sem que saibamos o como o céu foi pintado, a quantidade de tinta gasta, a técnica utilizada. Saimos do puro racionalismo para a vivência sem tanta métrica, sem tanta medida, porém, por evidente, sem a perda da razão e das consequências dos gestos. Porque devemos deixar viva em nós a criança que somos, contudo sem que ela adormeça o adulto em que ela habita.

Vivamos, assim, a linda lição que as crianças podem nos dar, simplesmente com os seus porquês, porquês e mais porquês.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

"É fácil falar de mim; difícil é ser eu".

Tenho observado com enorme constância carros plotados com esses dizeres: "É fácil falar de mim; difícil é ser eu". A par da construção linguística que não esconde a sua fealdade, revela uma visão derrotada da vida. Por que seria difícil a pessoa ser ela mesma? Já não estaria aí um desculpa às críticas ("é fácil falar de mim"), antecedida de uma oceânica baixa autoestima?

No "é difícil ser eu" está embutida a revelação da desconfiança sobre si mesmo, uma desculpa antecipadas para os próprios limites e circunstâncias, uma percepção de estar de antemão aquém dos próprios desafios, por menores que sejam. É a frase, na verdade, um desafio aos interlocutores, porém de sinal trocado: desafio de quem antecipadamente já se pôs em posição de desvantagem. Seria diferente um desafio noutros termos: "Pode falar de mim; eu sigo em frente, porque sei aonde vou, porque busco os meus sonhos". Enquanto me criticam, eu persigo os fins desejados, não me quedo diante da crítica, não me deixo abater e desisto, porque simplesmente é difícil. Se fácil fosse, qual o mérito, afinal?

O derrotismo está presente nessa desculpa prévia: é difícil estar no meu lugar, porque a minha vida traz limitações, porque as minhas circunstâncias me impõem limites. E esse derrotismo é muito presente em nossas vidas: quantas vezes encontramos os que simplesmente desistiram de tentar, os encastelados em suas frustrações que a tudo justifica, os blindados pelo "deixa estar"? Não. É natural que falem, uns por inveja, outros por cupidez, alguns para ajudar... Mas não é isso que nos faz andar ou ficar, que nos move ou imobiliza. É a força que há em nós, o desejo de ir em frente, a ânsia de felicidade. São essas coisas que nos fazem dar um passo a mais, porque "é sempre um passo que falta", como dizia tão bem Antoine de Saint Exupèry em seu "Voo Noturno".

Aliás, nesta obra há algumas afirmações que podem nos fazer pensar, como em um dos diálogos em que o piloto Rivière afirma: "Você percebe, Robineau, na vida não há soluções. Há forças em movimento: é preciso criá-las e as soluções sobrevêm". Noutra passagem desta obra madura de Exupèry, há uma outra interessante afirmação sobre o sentido da vitória: "Após um ano inteiro de luta, Riviére obtivera a vitória. Uns diziam ' graças à sua fé', outros diziam ' graças à sua tenacidade, à sua força bruta de urso em movimento', mas, segundo ele, mais simplesmente, porque se obstinara sempre na direção certa".

É isso, vencemos quando somos obstinados a seguir na direção certa. Direção que não nos é dada, mas construída em nós, em nossos sonhos legítimos, em nossa vontade de crescer como pessoa, em nossa disposição para ser felizes. Felicidade honesta, que não advém da destruição da felicidade de outros. Ora, "é fácil falar de mim", porque é fácil se entreter com a vida alheia enquanto a sua passa sem ser notada, sem um rumo a seguir, sem a felicidade a buscar. Não é difícil, porém, estar em meu lugar, ser eu, porque eu sou uma aventura do amor de Deus, eu sou um sonho em constante realização, eu sou a dor das dúvidas e a expectativa do amanhã. Sim, eu sou as possibilidades em aberto, o sorriso por ser dado, os medos dissipados... mas eu sou eu e a força que me faz ser construtor da minha vida, caminhante de caminhos que quero percorrer sem medo e sem a desculpa eterna da espera que nunca acaba e apenas justifica.

Enfim, quero ser eu mesmo, com meus defeitos, com as minhas limitações, com as contradições que habitam em mim. Porque amando a minha história e o que sou, mesmo quando tudo parece perdido, há sempre a certeza do amanhã em que posso fazer a diferença e mudar os rumos das coisas.

(Quem quiser ler o pequeno livro "Voo Noturno", pode fazê-lo online aqui).

Peter Pan

Semana passado fomos assistir Peter Pan no teatro. A peça - está certo, foi uma produção meia boca - leva as crianças para o mundo (tão necessário) da fantasia, onde fadas, bruxas, duendes, índios estilizados ganham vida, se colocam ali mesmo, diante delas. Os olhos infantis brilham, há medo quando o Capitão Gancho faz das suas (aliás, nessas peças as personagens más são as mais engraçadas e interessantes), ameaçando o herói verde (e sem graça, repetindo todo o tempo: - "Temos que encontrar o tesouro das crinças...").

Com todos os defeitos que essas produções possam eventualmente apresentar - e que apenas a rabugisse dos adultos se permite observar -, é inegável o bem que fazem para as crianças, que invadem o mundo colorido tão docemente apresentado às suas retinas. Aí, tudo vale pelo sorriso entregue, verdadeiro, inteiro. E saimos do teatro um pouco crianças também.


domingo, 10 de janeiro de 2010

Viktor Frankl e o sentido da vida

Eu gostaria muito de sugerir que fossem assistidos os três vídeos postados a seguir, com uma entrevista de Viktor E. Frankl, fundador da logoterapia, ele que se submeteu à terrível experiência do campo de concentração na II Guerra Mundial, vivenciando como judeu a - chamada por ele - existência nua. Viktor Frankl passou a tratar, posteriormente à sua libertação, daquilo que veio a ser o maior mal do homem do século XX e XXI: a perda de sentido, a neurose noógena. Espero que os vídeos possam contribuir para a nossa reflexão, ao tempo em que sugiro a leitura das obras desse grande pensador, traduzidas para o português pela editora Vozes e pela Quadrante.

No vídeo 1 encontramos uma importante definição de desespero como o sofrimento sem o sentido. O homem sem o sentido da vida, do sofrimento, da dor, cai no desespero, porque lhe falta a razão para agir, para continuar, para lutar. Assistam e reflitam as palavras desse grande psiquiatra, fundador da Logoterapia:





sábado, 9 de janeiro de 2010

Música do fim de semana: Every Woman In The World

Tema da comédia romântica "Marido por Acaso" (The Accidental Husband - 2008), divertido filme com Uma Thurman e Jeffrey Dean Morgan nos papeis principais, a música de Air Supply "Every Woman In The World" merece ser relembrada aqui, inclusive a pedido da minha companheira de filme, de dança e da vida.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Música do fim de semana: Pense em Mim

Alinne Rosa, da banda Cheiro de Amor, dá um show cantando Pense em Mim. A baiana tem tempero. A música é para começar o ano com axé, com vontade, com alegria e com os bons desejos.


sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Do alto das nossas vassouras...

Em nossa sociedade há os "homens-coisas", pessoas que não são pessoas, cujos pensamentos, opiniões, modo de vida, a própria existência, inclusive, não interessam. Coisificados, são objetos que se movem sem alma, sem valor, sem que nos demos conta da sua presença. Estão ali como a mobília, o banco da praça, o carro estacionado, o poste que ilumina... Estão ali, apenas. Compõem a paisagem, sendo um pano de fundo presente, mas sem importância, como um galho em um quadro que representa o nascer do sol em uma floresta. O galho está ali, mas nem nos damos conta dele, porque interessa o sol, os seus raios alaranjados, a floresta como um todo imponente. O galho é apenas isso, está ali para compor o todo, mas sem importância.

O "homem-coisa" é o homem objetificado, como o personagem vivido por Richard Harris, no clássico filme "O Homem Chamado Cavalo". No filme, o ator vive John Morgan, um inglês aristocrático, capturado por uma tribo da nação Sioux, quando participava de uma expedição. É tratado desde o início pelos índios como um animal de carga, um bicho qualquer, sem relevo. Depois de um tempo é colocado para trabalhar com as mulheres da tribo, para ajudá-las em seus afazeres domésticos. Usado como alvo para as crianças da tribo jogassem as suas lanças, já no limite extremo da experiência de humilhação, grita para a tribo aquilo que muitos gostariam de gritar em nossa sociedade: "I´m not a horse; i'm not an animal!!!".

Lembrei-me dessa passagem do filme (quem quiser assistir essa cena, veja aqui), ao me deparar com uma infeliz afirmação do jornalista Boris Casoy, em um áudio vazado no intervalo do Jornal da Band do último dia do ano, que expressa o que de fato muitos pensam. Diante do vídeo do jornal, em que dois garis desejam ano novo a todos, Casoy saca a seguinte frase: ""Que merda: dois lixeiros desejando felicidades do alto da suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho". Isso mesmo, para Casoy a presença de garis desejando feliz ano novo não era digno do Jornal da Band nem dos seus telespectadores.

Depois da repercussão negativa à frase, Casoy afirmou ter errado, dizendo que ""Foi um erro. Vazou, era intervalo e supostamente os microfones estavam desligados. Errei mesmo. Falei uma bobagem, falei uma frase infeliz. E vou pedir desculpas". Não se trata, porém, da manifestação do erro reconhecido após a repercussão, mas dos valores que impregnaram a frase, a visão negativa daqueles homens, do alto das suas vassouras, desejando feliz ano novo, justamente porque estão no mais baixo na escala do trabalho. Seriam indignos pelo trabalho que executam, por limparem as ruas e as sujeiras. Seriam coisas, pessoas de menor valor, cuja presença no vídeo enfeiaria o Jornal, ou cuja opinião ou felicitação nada importaria para as pessoas que estariam assistindo.

Casoy nos deu uma triste lição de até onde a nossa arrogância e a nossa presunção podem nos levar. Nos ensinou como podemos nos achar importantes demais perante os outros, apenas pela nossa situação econômica e social, perdendo de vista algo tão importante, por exemplo, para os cristãos: cada pessoa é única, é criação desejada por um Pai amoroso. Somos todos criaturas de Deus, nascendo a nossa dignidade humana dessa fonte que a todos equipara, independentemente do trabalho, da condição social, de portar ou não uma vassoura.

Vendo o orgulho desses dois garis, posso então desejar a todos um feliz ano novo, com fé, amor, tolerância e compreensão.