sexta-feira, 31 de julho de 2009

Gestão pública, greves e déficits: uma análise miúda de uma dívida enorme

Meu caro Yuri, se o Scliar delicadamente lhe dedicou um texto, respondendo uma (justa) provocação aos imortais da ABL, por que eu, que lhe conheço a tempos, deveria fazer diversamente quando (justamente) provocado por você em um dos seus comentários aqui no blog? Coloco as suas indagações bem feitas e quilibradas e as minhas respostas. Um novo vermelho e azul nosso, à moda de Reinaldo Azevedo:

YB: 1 - Com a redução de gastos desnecessários no Estado (algo que qualquer gestor público sério consegue empreender), penso que sobra verba (e MUITA, você sabe) para a Educação; ou seja, redireciona-se o dinheiro que está sendo mal-empregado. O que há de errado nessa lógica?

ASC: Yuri, desde que assumi o cargo de secretário de Estado da Gestão Pública (na verdade, da Administração; depois, alteramos a nomenclatura para justificar as mudanças de conceitos e práticas que pretendíamos implementar), trabalhamos forte - a minha equipe e eu - na parametrização dos gastos públicos, adotando as ferramentas e o método do INDG, uma consultoria que muito nos ajudou, bancada integralmente pelo MBC (Movimento Brasil Competitivo). Liderada pela Ismênia Lessa, com a participação do Cássio e da Fernanda (servidores públicos efetivos), a equipe trabalhou duramente para levantar a qualidade dos gastos em 15 órgãos estaduais (os maiores, por certo), comparando os custos de contratos da mesma natureza (limpeza, vigilância, compras de material de expediente, compras de alimentos, passagens aéreas, combustíveis, locação de veículos, etc.), encontrando absurdas desproporções entre eles. Em longas e duras reuniões, foram sendo criados os parâmetros comuns, renegociados contratos, com redução violenta de gastos e desperdícios. A nossa meta inicial era a economia de R$ 22 milhões e alcançamos mais de R$ 78 milhões de corte de gastos errados ou desperdícios. Se levarmos em conta que a AMGESP (ex-Agesa) introduziu em outros órgãos que estavam fora do escopo do projeto com o MBC as mesmas técnicas de redução de custos, moralizou as licitações públicas, implantouo registro de preços e o planejamento das compras públicas, implantou também em larga escala os chips de combustível, passou a monitorar o gasto com água, energia elétrica e telefonia, entre outras medidas relevantes, chegamos a uma economia no exercício de 2008 de mais de R$ 94 milhões de reais. O governo fez o dever de casa, portanto.

E para onde foi esse dinheiro não gasto? Veja, dinheiro que se deixou de gastar não é dinheiro sobrando ou mesmo dinheiro existente! O Estado de Alagoas, mais clamorosamente do que outros da federação, acostumou-se a gastar mais do que arrecada, praticando déficts orçamentários elevados. Se esse modelo serviu aos Estados Unidos, por exemplo, porque lá a economia era (e ainda é) pujante, com financiamento interno e externo (a China, por exemplo, é a maior compradora de títulos da dívida pública amaricana), Alagoas não tem uma economia razoável, sendo dependente dos repasses voluntários de recursos federais. Para fazer uma obra relevante, precisa o Estado de emendas parlamentares e boa vontade do governo central.

As medidas tomadas pelo governo Téo, reduzindo substantivamente o desperdício, em luta que continua contra o patrimonialismo capilar dentro do próprio serviço público, permitiram reduzir o déficit em conta corrente, fazendo com que - com o aumento de arrecadação - o Estado pudesse dar os aumentos aos servidores públicos, mantendo-se acima do limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal, sem ultrapassar o limite máximo permitido dos gastos com pessoal, na relação com a Receita Corrente Líquida.

Esse esforço, portanto, permitiu este Governo, em dois anos, desse um aumento real de 18% na folha de pagamento do Estado, implantando a isonomia dos professores, que era uma promessa positivada em lei, sem previsão de recursos para honrá-la. Policiais militares, médicos, procuradores, defensores públicos, policiais civis, etc., tiveram aumentos reais, comprometendo ainda mais os gastos públicos.

Quando você fala em "gastos desncessários do Estado", trata-se de um conceito indeterminado, sujeito a muitas discussões e debates. Eventualmente, podemos concordar em despedícios aqui e ali, mas hoje em grau infinitamente menor e com a preocupação de controle constante.


YB: 2 - Se o Estado não tem dinheiro, inclusive nem mais previsão orçamentária para este ano, por que criou uma (pragmaticamente desnecessária, convenhamos) secretaria (a da Paz)? Necessidade ou jogo político, para albergar apadrinhados etc.?

ASC: Não sei o porquê da criação de uma Secretaria da Paz, mas posso lhe afiançar que ela não custará aos cofres públicos, porque ela foi criada com a redução de recursos destinados à Secretaria de Comunicação, por exemplo. Criou-se gastos novos com cortes de despesas e readequação orçamentária.

Complemento mais algumas ponderações sobre esse ponto. Como não estava na resposta original, ponho em verde. Primeiro, não acho (aí é opinião pessoal, do ponto de vista político) que seria necessária a criação de uma secretaria voltada à promoção da paz, como não acho necessário um ministério (ou uma secretaria com status de ministério) para a promoção da igualdade racial. São políticas públicas que devem ser desenvolvidas transversalmente por todos os órgãos através de políticas públicas pré-definidas por uma das estruturas que aí já estão. Mas essa é uma opinião pessoal, prima facie, sem elementos outros de convicção.

Agora, sobre os gastos a serem criados por uma secretaria dessa, ele é pequeno quando comparado àqueles gerados por uma discussão remuneratória como a da educação. Enquanto o custeio de uma nova secretaria, com pequena estrutura, poderia chegar a mais ou menos R$ 15 mil reais por mês (e olhe, olhe), um aumento de remuneração na educação pode ampliar a folha de pagamento em R$ 600 mil reais mensais, no minimo minimorum. São grandezas, portanto, cuja comparação seria apenas retórica, no estilo "não dá aumento, mas cria uma secretaria...". Ora, qualquer aumento de 5% para a educação significa uma repercussão financeira mensal de mais de R$ 1 milhão, numa folha de pagamento geral que já consome mais de R$ 120 milhões mês (números da minha época, há um ano. Não sei como está hoje).

É preciso separar os debates, para fugirmos da mistura indevida de temas, que não contribuem. Podemos criticar a criação da secretaria da Paz sob vários prismas, mas não para utilizá-la como artefato retórico para discutir a "folga" financeira do Estado: no orçamento geral do Poder Executivo, R$ 15 ou R$ 20 mil reais mensais de custeio não são quase nada; já o implemento de R$ 600 mil reais na folha (por baixo, muito baixo), é um peso tremendo e encontra impedimentos na Lei de Responsabilidade Fiscal. E olhe que o Fisco está em greve, a educação está entrando, o Detran vai entrar, e aí por diante...

YB: 3 - O aumento salarial de professores e funcionários da Educação é uma necessidade, Adriano. Muitos estudaram ou ainda estudam para, tendo 40h por semana, receber em média R$ 2 mil mensais. As reivindicações vêm de longe. Os acordos descumpridos, também. Enquanto isso, o Legislativo tem em 2009 um duodécimo de R$ 113,4 milhões.

ASC: Podemos discutir aumentos de remuneração sobre três prismas diferentes, grosso modo: (a) a justiça suprapositiva do aumento em relação a situação da categoria; (b) a comparação com outras categorias mais abastadas, mostrando assim a (in)justiça empírica relacional; e (c) a comparação com a mesma categoria em outros Estados, demonstrando a (in)justiça relacional entre iguais.

A sua afirmação na questão 3 entra no que chamaria de (in)justiça suprapositiva, ou seja, na análise da situação financeira da categoria à luz do que seria o justo ou o ideal. No geral, poderíamos fazer a mesma afirmação em relação a qualquer categoria. Nas negociações, é o que ouvimos sempre. Quem se senta à mesa para reivindicar, desde já assevera a necessidade de melhoria remuneratória. Procuradores de Estado, fiscais de renda, delegados, defensores públicos, ao negociarem e entrarem em greve, cobravam o tratamento digno às funções que exerciam e exigiam melhores condições de vida. O pleito era justo? Sempre é, não há dúvida. E os que criticam os aumentos exigidos por essas categorias fazem por considerá-las privilegiadas, porém não é assim que elas se veem, justamente por sempre fazerem elas uma análise da (in)justiça empírica relacional: os magistrados ou membros do Ministério Público ganham mais e têm função assemelhada dentro de uma carreira jurídica, por exemplo.

Penso que a análise da (in)justiça suprapositiva é impossível, porque sempre a injustiça se constatará à falta de critérios objetivos de análise. As melhores análises surgem da comparação com iguais, em outros Estados. É a (in)justiça relacional entre iguais. A homogeneidade do objeto de análise não esgota o campo de observação, mas ajuda a raciocinar. E quando comparamos o que os professores de Alagoas ganham como piso vencimental com outros estados da federação, veremos que pagamos o 4º maior piso nacional. O Estado mais quebrado da federação é o que melhor remunera! Ora, isso é um absurdo do ponto de vista da governança pública, ainda mais quando levamos em conta que o ensino público de Alagoas é um dos piores do Brasil, que os aumentos foram e são concedidos sem metas ou avaliação de desempenho, e que todo ano o SINTEAL promove greves, contribuindo com a evasão escolar, a repetência e o baixo aproveitamento dos alunos. E as pessoas têm medo de dizer claramente que o SINTEAL tem também responsabilidade nessa desgraça da nossa educação pública por patrulhamento e medo do politicamente correto.

YB: 4 - A reforma do TJ, que conta com mais 4 desembargadores e, logo, mais despesa, custou espantosos R$ 16 milhões aos cofres públicos, e o corregedor José Carlos Malta já admitiu publicamente, em entrevista concedida ao jornalista e amigo Odilon Rios, que o Poder precisa de mais dinheiro no duodécimo!

ASC: Aí chegamos em outro ponto relevante: o Governador pode muito, mas não pode tudo. A separação de poderes, a garantia de duodécimos, a ausência de limites superiores de repasses, é criação da Constituição de 1988, que foi filha da antítese à ditadura. Buscando diminuir os poderes excessivos do Poder Executivo, criou mecanismos para gerar a autonomia administrativa e financeira dos demais poderes, nada obstante sem prever limites com os gastos. Resultado: na tramitação do projeto de lei orçamentária, não há como o Poder Executivo decidir sozinho o que cada um dos poderes poderá levar de recursos. Logo, essa questão é importante e merece o controle social, mas não pode ser posta simplesmente, às secas, nessa discussão, sem os temperamentos todos que apontei.

***
Penso, meu caro Yuri, ter respondido às suas indagações e colocações objetivamente, sem tergiversar. A situação de Alagoas reclama muito cuidado. Nossa dívida mobiliário é asfixiante, com a rolagem das letras do tesouro, aquele ouro de tolo que enriqueceu alguns à custa do erário da quebradeira do Estado. Suruagy deixou o ovo da serpente, com o seu indefectível Pereira, e o resultado está aí: a legalidade da dívida foi reconhecida mesmo havendo discussão judicial sobre ela, assumiu o Estado os valores do seu custo, tendo sido rolada pelo Governo Federal, cujo aumento mensal é estratosférico. Nós devemos, pagamos mensalmente uma fábula e sabe Deus quando nos livraremos dela.

É isso aí, pessoal. Ah, por favor, quem sair por último, apague a luz.

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