terça-feira, 14 de julho de 2015

LER, MEDITAR, ESCREVER.

Hoje, a leitura tem sido negligenciada pelos estudantes, mesmo aqueles já em nível de mestrado e doutorado. Lê-se muito pouco e, não raro, rasamente. A leitura é a chave de abertura para o mundo; ela proporciona o nosso encontro com o pensamento dos que nos antecederam e meditaram sobre o tema que nos instiga a lê-los. Mas não basta apenas ler. Convém meditar, conciliar proposições à primeira visada em litígio, fazer dialogar textos do mesmo autor e esses com textos d'outros autores, buscando com isso a ampliação de perspectivas e, a partir delas, o encontro de eventuais novos caminhos. Apenas depois, já bem depois, é que passamos à escrita, ao dividir com outros o produto das nossas meditações, as descobertas que fizemos, as nossas visadas que passamos a adotar e propormos a que outros possam aderir a elas no processo de reflexão.
Porém, há muita afoiteza no escrever. Pulam-se etapas. Há uma ânsia em dividir aquilo que mal dá para proveito próprio. E o que temos visto é a publicação de obras superficiais, repetitivas, com erros evidentes de construção teórica e de falta de informação. Porque lê-se muito pouco e muito mal. Escolhem-se os autores mais óbvios, os textos mais limitados, o que é de fácil compreensão. É como se não houvesse tempo para mastigar; come-se a papa rala do conhecimento, porque não há estímulo e tempo para o delicioso esforço de comer o que necessita ser deglutido sem pressa e com paladar refinado.
Temos visto a pobreza acadêmica de teses de mestrado e doutorado que impressionam pela ousadia de serem óbvios, repetitivos e preguiçosos esforços intelectuais. Nos acostumamos com tanta miséria intelectual, que já não temos mais a visão de que pensar é uma arte, é um encantamento com o objeto pensado. E, pois, exige tempo, dedicação, esforço intelectual.
Precisamos escrever menos. Precisamos ler mais. E meditar ainda mais.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Primavera Brasileira

A Primavera Brasileira também nasceu através das redes sociais. Curioso que os analistas políticos não tenham se dado conta do fenômeno que lembra a Primavera Árabe. O próprio Governo e o PT não perceberam que houve uma mudança muito grande entre 2002 e 2015: a sociedade não precisa dos coletivos sociais organizados para se manifestar; já não são mais os sindicatos que levam a população às ruas, como ocorria em um passado próximo. Esse monopólio, que era a maior força das esquerdas, foi esmaecendo e hoje se mostra dissolvido, como podemos ver nas manifestações de sexta-feira (13), em que estavam os sindicalistas, os filiados, ausentes da população, que sempre foi a alma desses movimentos.

A Primavera Brasileira é a politização crescente da sociedade. É um fenômeno que brota por geração espontânea e catalisa o sentimento ou espírito (Geist) intramundano, prerreflexivo e atemático. Somos nós em nossa constitutiva liga dialógica, agora sem intermediários, sem ter quem precise falar por nós para que os nossos líderes políticos nos ouçam.

O movimento do dia 15 de março ficará na história do País. É o início da maturidade democrática, em que a internet e o fluxo de informações joga um papel decisivo. Eis aí a Primavera Brasileira.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A Reforma política proposta pela OAB: breve análise do parecer aprovado pelo Conselho Federal.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil aprovou, no dia 04 de fevereiro de 2015, a proposta de reforma política produzida pela própria entidade, contando com apoio da CNBB, CUT e uma série de coletivos sociais, como o MST. Segundo matéria divulgada no site oficial da entidade, "O presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, entende que a relevância da questão se traduz em urgência nas ações. “A reforma política não é do governo nem da oposição: ela é da sociedade. Todos os candidatos a presidente da República prometeram, durante a campanha eleitoral, realizar uma reforma política. Agora, o povo aguarda e exige o cumprimento desta promessa. A Ordem é protagonista nessa busca pela republicanização do Brasil”, defendeu.".

O site publicou também o parecer do relator da matéria, conselheiro federal pela OAB-CE, Kennedy Reial LINHARES, em que se expôs as razões pelas quais defendia a aprovação pelo pleno do Conselho Federal da proposta de reforma política.

Li com atenção esse texto. Trata-se de um discurso retórico, sem substância jurídica, em que se apela a uma linguagem emotiva para dizer da necessidade de uma reforma política no País. Falando em democracia, cita em seu favor Hegel e Marx, justamente dois filósofos inimigos das sociedades abertas, conforme sublinhado por Karl Popper em obra sobre o tema. Aliás, a inspiração ideológica do texto não deixa margem de dúvidas sobre o seu caráter marxista e anticapitalista, quando pespega, lá para as tantas, a seguinte pérola contra a globalização, cujo entendimento textual está além do meu alcance cognitivo. Trata-se de uma construção argumentativa que parece nos levar do nada ao lugar-nenhum intelectual:
A contemporaneidade vive o “fenômeno” da globalização, que indubitavelmente interferi (sic) na política, no direito, na justiça e na cultura. A globalização, por assim dizer, é devastadora quando não mediada de forma racional entre as derrubadas das fronteiras dos Estados na esfera econômica, que indubitavelmente implicará em unificação de algumas ou todas as leis entre Estados, como por exemplo tem acontecido na Zona do EURO (em quase toda Europa) e iniciando timidamente com o MERCOSUL (com alguns países da América do Sul). 
Ainda nessa toada, LINHARES passa a divagar sobre a globalização e os seus efeitos, exercitando a sua capacidade especulativa ao extremo e levantando para si próprio questões transcendentais de elevada gravidade para ele, ao que parece pela ênfase empregada:
O mundo esta sendo reinventado ou sendo ocidentalizado? E em quais parâmetros? Os consumos, os excessos, a crise moral, o desapego ético, a chamada “sociedade do espetáculo” cada vez mais epicurista é o “grande avanço da humanidade nos últimos anos”? Nesse tipo de sociedade existe espaço suficiente para o DIREITO? As leis somente são úteis em um contexto de proteção mercadológica? E a DEMOCRACIA? 
Não sei que diabos tem isso a ver com a reforma política, mas deve ter causado impacto aos membros do Conselho Federal, que passaram a meditar sobre questões como a globalização, o epicurismo, o consumo e que tais. Porém LINHARES não parou por aí.
Nesse cenário sombrio de ferimento dos direitos humanos pelos EUA, afastou-se de vez a perspectiva do direito metafísico oriundo do ideal de sociedade, democracia e justiça decorrente dos Iluministas. Compreende-se cada vez mais que o alcance da democracia e justiça passa pela efetivação prática do direito. Afinal, para que tanto idealismo e tantos direitos conquistados no curso da história sem seu sentido prático-universal? 
Li, reli e treli o texto. Não entendi nada, sobretudo o tal direito metafísico oriundo do ideal de sociedade... Aí, meteu-se jusnaturalismo com positivismo, além da questão profunda subsequente: em nossa sociedade ainda haveria lugar para o direito? Não entendi a pergunta, não sei o que LINHARES entende por direito, ficando eu aqui perdido, sentado na calçada, a divagar sobre tais questões que devem ter tido um poder persuasivo imenso para a aprovação da proposta de reforma política pelo Conselho Federal da OAB.

Nada obstante, novas questões de elevada indagação continuaram a ser feitas no parecer. Foi aí - como diríamos na minha pequena Junqueiro/AL - que eu me lasquei todinho. Não entendi bulhufas:
Entre otimismos e pessimismos, contradições e coerências, o certo é que o mundo contemporâneo não parece deixar espaços para idealismos, exigi-se cada vez mais a concretude das coisas, o respeito do “singular ao universal” , a democracia, o uso imoderado da razão, e a obtenção da justiça com a simples aplicação do direito, são objetivos reais e racionais. De que importa vivermos em uma sociedade cheia de direitos sem nenhum sentido prático-efetivo? 
A "concretude das coisas", o "respeito do singular ao universal", a "obtenção de justiça com a simples aplicação do direito" (ao que parece, o justo seria o legal...), e expressões desse quilate, enfim, me entorpeceram a mente, levando-me ao labirinto da incompreensão profunda. Aí me fiz uma indagação: está tudo muito bem, está tudo muito bom, mas realmente o que temos a ler sobre a reforma política? Responde-nos LINHARES:
A importância do tema em discussão é fenomenal. Diante de sua óbvia repercussão, é sintético o posicionamento da Relatoria a seu respeito.
E tão sintético foi, que o parecer limitou-se a citar breves excertos de falas proferidas pelo presidente da OAB, em uma atitude monológica fechada a qualquer diálogo. Não houve análise de posições diversas, em que se justificasse a opção por uma alternativa e não por outra. Não. Citaram-se breves falas do presidente da OAB e LINHARES tomou-as como suas. E fim!

A Reforma Política proposta seria de interesse da sociedade, diz-nos o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. Ok. Dou uma sugestão para panfletos da OAB promovendo a coleta de assinaturas:


Sinceramente, estou impressionado com a nossa Ordem dos Advogados do Brasil. Não apenas eu, aliás; não faltam os quanto se sintam cada vez menos representados por ela, ao menos em relação à atual gestão.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Petrobras: o problema não está na lei, mas na ausência de controle interno

Diz-se com certa ligeireza que o modelo de licitação adotado pela Petrobras estaria como um dos mais relevantes fatores para a corrupção que passou a grassar na companhia. Nada mais falso, porém. Os problemas advindos da corrupção endêmica da Petrobras decorrem do aparelhamento político adotado como requisito para a ocupação dos cargos relevantes, a pulverização do poder decisório em estratos mais baixos da hierarquia da empresa, a ausência de uma política de accountability e compliance para o acompanhamento dos atos internos e punição dos desvios tão logo detectados, o autoesvaziamento do papel do Conselho de Administração, a promiscuidade da relação com as empreiteiras, a ausência de normas sobre quarentena dos empregados da companhia após a sua saída da relação de trabalho.


Uma empresa que atua no mercado internacional, com concorrência de outras gigantes do setor, não pode ficar amarrada à lei de licitações e ao modelo burocrático por ela estabelecido. Isso impediria a tomada de decisões rápidas, essenciais para a atividade econômica desempenhada pela Petrobras. Aprisioná-la à burocracia das compras públicas é inviabilizá-la como player na disputa internacional, cada dia mais acirrada em tempos de preços em queda do petróleo e da mudança da geopolítica com o xisto americano, que lhe deu autonomia e o transformou em autossuficiente, além de exportador de combustíveis fósseis.

Não se trata, portanto, de mudar a lei - mania atávica herdada dos portugueses: há um problema; faça-se uma lei! -, mas de criar mecanismo internos eficazes de controle dos atos negociais da companhia, com uma sólida estrutura de auditoria e controladoria interna, livre das pressões políticas e do aparelhamento partidário. Além disso, punir com rigor os empregados flagrados em práticas heterodoxas no âmbito das suas competências.

Mudar a lei de licitação diferenciada da Petrobras não é a solução; trata-se de mais uma desculpa feita de afogadilho.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

O MITO FÁUSTICO DE CADA UM DE NÓS

Não temos duas almas; uma só unida ao corpo e à mente é o que possuímos, formando a nossa estrutura nouspsicossomática. A tragédia de Fausto, na obra-prima de Goethe, decorre da entrega da sua alma em um pacto com Mefistófeles. O mito fáustico percorre toda a história da humanidade e é exposto de modo supino através dos clássicos versos daquela obra magna.



Se é certo que apenas uma alma temos e a negociamos com outrem a sua entrega, o que nos restará? Talvez a tragédia fáustica seja justamente essa: a realização de apetites (paixões, rancores, ódios, complexos, amores, desejos de riqueza, etc.) ao custo de nós mesmos. Aí, já abdicamos dos nossos valores como ornamentos imprestáveis; já fazemos nossos iguais os que sempre foram desejados ficassem distantes; já chamamos de amigos os que antes víamos com desprezo...
E ao olharmos em volta de nós mesmos, o que nos resta?; onde ficou o que antes nos era tão caro como característica identitária, constitutiva - não apenas para os outros mas sobretudo para nós mesmos - do que somos como sujeitos no mundo? No Fausto de Goethe há o momento do acerto de contas consigo mesmo; na vida, a final, haverá sempre um dia para esse encontro com a alma alienada a preço sobejo ou vil, pouco importa.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

APROVAÇÃO DE CONTAS PELA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA SEM PARECER DO TRIBUNAL DE CONTAS: VALIDADE DA APROVAÇÃO DAS CONTAS DE TEOTÔNIO VILELA FILHO.



Há um debate, levantado em bom momento pelo presidente do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas, Conselheiro Otávio Lessa, sobre o fato de ter a Assembleia Legislativa aprovado as contas de alguns exercícios do Governo Teotônio Vilela Filho sem que houvesse prévio parecer do Tribunal de Contas do Estado. As funções dos tribunais de contas passaram a ganhar cada vez mais importância, cumprindo um papel fundamental para o controle externo da Administração Pública.

Há, porém, formas distintas através das quais os tribunais de contas atuam e exercem a sua competência. O art. 71 da Constituição Federal prescreve: "O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento". Não se trata, nesse função ancilar do Poder Legislativo, do esgotamento de todas as funções da Corte; há mais atribuições suas não menos relevantes e, em certo sentido, até mesmo mais protagonistas, como é o caso da análise que faz dos processos administrativos de licitação e contratos.

No que diz respeito à aprovação ânua das contas por exercício financeiro, é ela função do Poder Legislativo, apenas. O Tribunal de Contas aqui é órgão auxiliar,apenas, não sendo o seu parecer vinculativo; trata-se de JULGAMENTO POLÍTICO DAS CONTAS. Logo, se o Poder Legislativo entendeu que o prazo para elaboração do parecer prévio transcorreu em branco, não tem a necessidade de esperar que seja ele proferido posteriormente; é competência do Poder Legislativo, e somente sua, a aprovação ou rejeição das contas do Poder Executivo.

Por isso, consultado sobre essa questão pelo ex-governador Teotônio Vilela Filho, diante dessas ponderações públicas feitas acertadamente pelo presidente do TCE, manifestei-me no sentido da validade dos procedimentos legislativos de aprovação das contas do Chefe do Poder Executivo sem o prévio parecer do Tribunal de Contas do Estado, "a fortiori" se o prazo para a sua emissão não foi observado. Aqui incide o princípio da simetria com o centro, em que a norma constitucional do art.71 se aplica aos Estados de igual modo.

Então, o questionamento feito pelo presidente do Tribunal de Contas do Estado é legítimo, como Chefe do órgão auxiliar do Legislativo, porém não há como invocar nulidade do procedimento legislativo de aprovação das contas, ocorrido dentro da competência exclusiva e soberana do Poder Legislativo. Se há desgaste quanto ao ponto, não deve ser com o ex-governador Teotônio Vilela Filho, mas com o Poder Legislativo, que entendeu apto a exercer as suas atribuições constitucionais de natureza política sem aguardar o parecer prévio da Corte de Contas. Estamos no campo político; não no campo jurídico, portanto.

Ademais, não se lê o ordenamento jurídico em tiras, muito menos uma norma jurídica - com expressão mínima deôntica completa - às fatias. O PARECER É PRÉVIO, mas tem prazo para ser dado. E O PARECER PRÉVIO É ATO AUXILIAR, QUE NÃO INTEGRA A DECISÃO POLÍTICA DO PODER LEGISLATIVO. É dizer, não estamos frente a um ato jurídico complexo, que necessite da manifestação de vontades do TCE e do Legislativo para a sua validade. O ATO DE APRECIAR AS CONTAS É EXCLUSIVA DO PODER LEGISLATIVO, que conta com o auxílio - e nada mais do que isso - do Tribunal de Contas. Se o prazo do oferecimento do parecer esgotou, o Legislativo pode - autônomo e independente que é - cumprir a sua função constitucional e votar as contas.

O competente constitucionalista e Procurador do Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais, Marcílio Barenco, pensa de modo diverso e discordou das minhas colocações, asseverando o seguinte:
O inciso I do artigo 71, da CR/88, por simetria, como bem assinalado, diz que o julgamento será MEDIANTE PARECER PRÉVIO que de certo tem natureza técnico-jurídica e PODE deixar de prevalecer no momento do julgamento político - de quórum qualificado - pela Assembleia Legislativa, contudo, sem ser dispensável (ex vi art.29, parágrafo 2º da CR/88 e correspondência na Constituição do Estado de Alagoas). O prazo constitucional de emissão do PARECER PRÉVIO tem natureza jurídica de prazo impróprio para o magistrado de contas, que de certo as aprecia, emitindo Parecer Prévio, mas não julga, por ser competência da ALE. Se assim não fosse, teria o constituinte originário trazido à colação da norma eventual sanção. Pelo contrário, não o fez e nem poderia! Assim, não há que se falar em preclusão, decadência, dispensabilidade da emissão do PARECER que é sempre PRÉVIO ao julgamento político e faz parte do devido processo legal de contas do governo. A jurisdição-administrativa afeta aos Tribunais de Contas foi violada, sob aspecto substantivo e adjetivo a meu ver. A norma constitucional foi violada claramente. O fato dos Tribunais de Contas serem órgãos auxiliares dos Poderes Legislativos, não lhes retira o caráter normativo-cogente - DEVERÃO - apreciar as contas de governo, sob pena de nulidade do julgamento final - político. Sem aduzir que o Ministério Público Especial, sequer participou do devido processo legal, a meu ver, totalmente mitigado, com outra causa de nulidade absoluta. Também não há prejuízo para apreciação das contas de gestão, cujo escopo é muito maior que as contas de governo. Assim fica minha brevíssima reflexão sobre o tema, contribuindo estritamente para o debate jurídico da questão.
Apesar das ponderações do procurador Marcílio Barenco, reconhecido estudioso e professor de Direito Constitucional, vou continuar com o meu pensamento. O prazo fixado para que o parecer prévio dos tribunais de contas seja ofertado, diz-nos Barenco, seria um prazo impróprio, sem sanção, razão pela qual não haveria decadência, preclusão ou dispensabilidade da sua emissão. A assertiva tem razão, embora em parte apenas. É que o prazo fixado pela Constituição Federal para a emissão do parecer prévio dos tribunais de contas tem a finalidade de limitar a atuação do Poder Legislativo: deverá ele aguardar que haja a apreciação pelos tribunais de conta durante aquele período; se o Legislativo não aguardasse a passagem do prazo constitucionalmente estipulado, menoscabaria a esfera jurídica dos tribunais de contas, que têm o poder-dever de agir dentro daquele trato de tempo.

Mas a Constituição Federal não contém palavras inúteis; ao fixar o prazo para a emissão do parecer prévio, fez dele condição de validade do processo legislativo de apreciação das contas do Poder Executivo, não podendo o Legislativo deixar de esperar o seu transcurso completo. É dizer, o prazo estipulado para a emissão do parecer do Tribunal de Contas tem efeito suspensivo do andamento do processo legislativo. Vencido, porém, o prazo fixado pela Constituição Federal, sem que haja a oferta do parecer prévio, deixa a sua emissão de ser pressuposto de validade do processo legislativo de apreciação das contas, perdendo a qualidade de elemento completante - por isso mesmo, necessário à sua validade -, para passar à condição de elemento integrativo circunstancial do suporte fático da norma (é dizer, poderá ou não constar o parecer, sem inibição da validade e eficácia do ato legislativo).

Podemos até considerar ser aquele prazo para emissão do parecer prévio um prazo impróprio, no sentido de que não há prevaricação ou sanção a ser aplicada ao agente público que não o observou; nada obstante, do ponto de vista estrito do exercício da competência do Poder Legislativo, o prazo lhe é vinculante: não pode atuar antes do seu transcurso. O vazio de manifestação dos tribunais de contas naquele trato de tempo, sem embargo, implica na possibilidade do Legislativo julgar as contas, sem o pronunciamento das Cortes de Contas que, nessa função especificamente, nada julga, apenas opina.

Ou seja, o caráter normativo-cogente das decisões dos tribunais de contas, lembrado pelo professor Marcílio Barenco, é da natureza dos seus atos decisórios, que não se encontram hipotisados - convém bisar - na competência do art.71, I, da CF/88. Ali, no exercício dessa atribuição, nada há de vinculante ou cogente; há-o quando exerce as funções previstas nos demais incisos do art.71 da CF/88, sobretudo no inciso II. E, nesse passo, ao que serve de argumentação para os tribunais de contas, servirão de idêntico modo ao Ministério Público de Contas de cada um desses tribunais.

Logo, compreendo não haver nenhuma nulidade no exercício legítimo da apreciação das contas do Poder Executivo pela Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas, sem que tenha havido a emissão de parecer prévio no prazo fixado pela Constituição Federal.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

DA COREIA DO NORTE PARA O BRASIL: AS DESCOBERTAS DE UM MOCHILEIRO REVOLUCIONÁRIO

Chegou um jovem brasileiro, depois de meses andando de mochila pela Coreia do Norte, acompanhado por amigos do regime. Leu as manchetes do jornal e foi logo gritando com os seus familiares, indignado:

- "Esse Aécio Neves venceu a eleição para aumentar tributos, congelar a tabela do IR, aumentar a energia e a gasolina, e ainda aumentar o IOF só para o consumidor, deixando o investidor numa boa. Esse governo tucano ainda limitou o seguro desemprego e vai deixar o Brasil com apagão. Sinceramente, cansei de avisar para votarem na Dilma. Olhe aí essa política conservadora que só pensa no capital e ferra o trabalhador...".

Os pais olharam para ele com dó.

- "Filho, a gente votou na Dilma. Ela ganhou...", disse o pai vagarosamente, para não chocar o filho recém chegado do paraíso socialista.

O filho, perplexo, sentou-se e ficou com os olhos vazios. Pensou na imagem do líder coreano sendo reverenciado e se refez. Olhou para os pais com um sorriso:


- "Temos que fazer logo o controle social da mídia. Isso tudo é culpa dos jornais e dos grupos familiares de comunicação. E vamos correndo fazer a reforma política, para acabar com esse sistema corrupto!", disse com ênfase e entusiasmo.

A mãe, que sempre admirou a militância política do filho, levantou-se, foi ao quarto dele e voltou com uma camisa vermelha com a foto de Che Guevara, toda puída pelo uso nas tantas manifestações nas ruas. "Meu filho", disse ela ao entregar-lhe a vestimenta, "chame os seus amigos e faça um movimento com essas bandeiras. No período que você passou fora, Cuba reatou relações diplomáticas com os Estados Unidos e um funcionário do Bradesco virou Ministro da Fazenda. Se essa camisa ainda lhe for útil, use-a; se não, quero usá-la como pano de chão para limpar o seu banheiro...".

O filho olhou assustado. - "Pô, mãe, tinha que ser do Bradesco?! Por que não um cara da Bancoop?". Pegou a camisa e foi para o quarto tomar toddynho com sucrilho.

AS NOSSAS CAMADAS

Somos feitos de camadas. Deram-se conta disso? Há aquela que é visível a todos, nada obstante seja a que menos diga de nós. É a camada mais bem cuidada, ornada, fina, buscando a atenção e a aprovação dos outros, a nossa própria satisfação e orgulho. Quando, porém, fazemos uma incisão, encontramos uma outra camada mais densa, sem os requintes da que lhe antecede. Nela, os cosméticos conceituais e simbólicos começaram a diluir, aparecendo as imperfeições, os medos, as angústias, os orgulhos, as mesquinharias. É a camada que vez por outra fica à vista, quando aquela primeira, tão fina e requintada, desaparece por alguns segundos e novamente reassume o seu posto.

Há, finalmente, ao menos até onde a vista pode alcançar nessa incisão investigativa, a terceira camada, mais rombuda, dura, impermeável a uma aproximação menos altiva, que esconde o que há de mais profundo em nós mesmos. É a camada da solidão, onde ninguém consegue penetrar, inclusive nós mesmos, por vezes tantas, ficamos no alpendre, sentados sem convite para passarmos da soleira.



Essa camada nuclear envolve quem realmente somos para além de nós mesmos. Os nossos dramas, as nossas alegrias, os nosso complexos, as nossas esperanças, as nossas desilusões, as nossas buscas por sentido. É uma camada encrespada, sem ajustes e enfeites. Ela esconde a nossa essência e se apresenta apenas em raras ocasiões quando nos damos conta de nós, da euidade, do ser eu-diante-de-mim-mesmo. Quando somos ao mesmo tempo o um e o outro, objeto e sujeito, o olhar e o visto. Eis um momento raro: a nossa humanidade desnuda, as nossas misérias expostas, as nossas limitações presentes, o nosso orgulho alquebrado a nos mostrar quão pequenos somos.

É nesse raro instante, diante dessa camada mais funda em nós, que podemos silenciar, fugir, nos enganar; ou simplesmente dizer para nós mesmos: "Eis-me aqui, na minha verdade mais crua!". É nesse momento preciso que podemos ser felizes e crescermos mais como pessoa, ou, de outro lado, nos amargurarmos e nos fecharmos de vez, fazendo daquela primeira camada estreita a única que nos interessa, enganando-nos e sendo aos outros um arremedo do que somos.

E aí indago: quem já viveu essa experiência da existência nua?

O jogo, as cartas e os jogadores

Há os que querem conhecer a verdade; há os que querem condescender com o que lhes convém. É muito interessante esse traço em algumas pessoas: por conveniência, ajustam-se àquilo que no seu íntimo não lhes cai bem, bastas vezes por inércia, outras tantas por convicção em estar sempre onde lhe parece haver vantagem.

O interessante é observar a reação das pessoas quando, diante de uma situação concreta que lhes diz respeito, não compreendem as estratégias e não enxergam nada além das cartas já postas na mesa; e ainda assim, contudo, nem sempre façam as cartas abertas todo o sentido para o observador ansioso. Sem compreender como se movem os jogadores, ficam uns tantos olhando apenas para o que está a descoberto, não alcançando que o melhor jogo não é o que está na mesa, mas aquele à mão.


Por isso há mais do que acerto na fala da personagem de Matt Damon no filme "Cartas na mesa":  “Se você não descobrir quem é o pato da mesa na primeira meia hora”, diz ele, “então você é o pato”. E o pato será sempre depenado...

No jogo de profissionais, quem acredita estar com vantagem não pode piscar primeiro. É que os movimentos revelam as intenções. Não raro, por isso, os jogadores fazem movimentos contrários àqueles que pretendem adiante executar, induzindo o adversário a erro. O observador desatendo não se dá conta de que o jogo muitas vezes está sendo jogado quando não há movimentos; é aí o exercício da paciência que é já e sempre um agir, desde que não se prolongue em demasia, porque aí poderá já estar comprometida aquela partida. O tempo é um cavalo bravio; nem sempre nos acomoda bem em seu dorso.

Um dado porém é fundamental nos grandes jogos: a resiliência, a capacidade de suportar a pressão e usá-la em seu favor. A temperatura elevada é uma ótima forma de eliminar, no jogo, os mais fracos. Ou mesmo de fragilizá-lo. Se um jogador é muito forte, a primeira coisa a fazer antes de começar a partida é solapar a sua confiança, mostrá-lo vulnerável, tirá-lo da concentração, desinstalá-lo da sua zona de conforto. Ao trazê-lo para o seu campo, as cartas de que ele dispõe passam a ser abertas ou se deixam conhecer por indução.

Uma outra coisa importante: provoque o adversário até ele lhe mostrar os dentes. Esse um passo fundamental em qualquer jogo: é nessa hora que você pode ler as cartas que ele dispõe nas mãos e as suas fragilidades. A reação do adversário é fundamental para que se compreenda toda a extensão do jogo e os espaços de manobra. É aí onde os melhores jogadores podem tirar muito proveito.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Uma reflexão sobre a nossa história

O que nos faz maiores como seres humanos é a nossa capacidade de lutar pelo que acreditamos. A história não é feita pelos que esperam, pelos que olham os acontecimentos, que falam sobre os eventos. Ela é feita pelos que agem, fazem os sonhos serem compartilhados, convulsionam o status quo, assumem riscos e estão dispostos a estar no front.

Como deve ser difícil viver todos os dias a angústia da opressão e se submeter a ela por medo do elevado preço que a conquista da liberdade representa, que na verdade é tão módico diante dos seus benefícios. Mas, afinal, não é assim que a humanidade caminha desde os primórdios, vivenciando a tensão constante entre a necessidade do agir e o medo dos resultados da ação? Somos filhos da inércia, como de resto foram os judeus, já sem esperanças e desacreditados da sua própria força, caminhando em fila silenciosa rumo às câmaras de gás.


Vamos nos objetificando, abrindo mão dos nossos sonhos, condescendendo, esperando que algo aconteça por si mesmo, porque desde já nos desabilitamos de traduzir em gestos a nossa capacidade de nos indignar. Esperamos que outros façam por nós o que nos cumpre, porque afinal a história não tem um resultado predefinido: é sempre um fazer-se, um construir-se...

Só tem sucesso quem está inteiramente pronto para o fracasso. Não se pode vencer sem ir à luta, sem entrar na peleja, o que pressupõe já e sempre a chance de derrota. Os que não querem perder não estão prontos para a vitória. Essa é a lição que a vida nos dá a cada momento, em cada situação concreta da nossa existência. Se nos apaixonamos, não há meios de conquistar a amada sem que haja o risco do "não"; e isso vale para tudo o que é importante para nós.

E quando se tem uma boa causa na mão, quando se sabe correto e com a razão, aí a luta naturalmente será mais autêntica, destemida, sem medir as consequências. Por valer a pena a conquista, com mais razão haverá de valer a pena a luta. Essa é a verdade que trago em mim, viva, presente em tudo: não nasci para submeter-me ao que aí está, mas para convulsioná-lo. Não nasci para ler a história ou assisti-la, mas para ser parte dela, fazê-la com gestos, palavras e compromissos assumidos.

Olho mais uma vez aquela imagem dolorosa de homens esquálidos, com a sua humanidade espezinhada. Já não há pudor ou vergonha a ser escondido, a nudez do corpo nada representa: a existência é que está desnuda, miseravelmente desnuda. Que em nossas vidas não estejamos diante de nós mesmos absolutamente desnudos da nossa humanidade, dos nossos sonhos e da nossa capacidade em transformar a nossa indignação em gestos concretos.