Há um debate, levantado em bom momento pelo presidente do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas, Conselheiro Otávio Lessa, sobre o fato de ter a Assembleia Legislativa aprovado as contas de alguns exercícios do Governo Teotônio Vilela Filho sem que houvesse prévio parecer do Tribunal de Contas do Estado. As funções dos tribunais de contas passaram a ganhar cada vez mais importância, cumprindo um papel fundamental para o controle externo da Administração Pública.
Há, porém, formas distintas através das quais os tribunais de contas atuam e exercem a sua competência. O art. 71 da Constituição Federal prescreve: "O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento". Não se trata, nesse função ancilar do Poder Legislativo, do esgotamento de todas as funções da Corte; há mais atribuições suas não menos relevantes e, em certo sentido, até mesmo mais protagonistas, como é o caso da análise que faz dos processos administrativos de licitação e contratos.
No que diz respeito à aprovação ânua das contas por exercício financeiro, é ela função do Poder Legislativo, apenas. O Tribunal de Contas aqui é órgão auxiliar,apenas, não sendo o seu parecer vinculativo; trata-se de JULGAMENTO POLÍTICO DAS CONTAS. Logo, se o Poder Legislativo entendeu que o prazo para elaboração do parecer prévio transcorreu em branco, não tem a necessidade de esperar que seja ele proferido posteriormente; é competência do Poder Legislativo, e somente sua, a aprovação ou rejeição das contas do Poder Executivo.
Por isso, consultado sobre essa questão pelo ex-governador Teotônio Vilela Filho, diante dessas ponderações públicas feitas acertadamente pelo presidente do TCE, manifestei-me no sentido da validade dos procedimentos legislativos de aprovação das contas do Chefe do Poder Executivo sem o prévio parecer do Tribunal de Contas do Estado, "a fortiori" se o prazo para a sua emissão não foi observado. Aqui incide o princípio da simetria com o centro, em que a norma constitucional do art.71 se aplica aos Estados de igual modo.
Então, o questionamento feito pelo presidente do Tribunal de Contas do Estado é legítimo, como Chefe do órgão auxiliar do Legislativo, porém não há como invocar nulidade do procedimento legislativo de aprovação das contas, ocorrido dentro da competência exclusiva e soberana do Poder Legislativo. Se há desgaste quanto ao ponto, não deve ser com o ex-governador Teotônio Vilela Filho, mas com o Poder Legislativo, que entendeu apto a exercer as suas atribuições constitucionais de natureza política sem aguardar o parecer prévio da Corte de Contas. Estamos no campo político; não no campo jurídico, portanto.
Ademais, não se lê o ordenamento jurídico em tiras, muito menos uma norma jurídica - com expressão mínima deôntica completa - às fatias. O PARECER É PRÉVIO, mas tem prazo para ser dado. E O PARECER PRÉVIO É ATO AUXILIAR, QUE NÃO INTEGRA A DECISÃO POLÍTICA DO PODER LEGISLATIVO. É dizer, não estamos frente a um ato jurídico complexo, que necessite da manifestação de vontades do TCE e do Legislativo para a sua validade. O ATO DE APRECIAR AS CONTAS É EXCLUSIVA DO PODER LEGISLATIVO, que conta com o auxílio - e nada mais do que isso - do Tribunal de Contas. Se o prazo do oferecimento do parecer esgotou, o Legislativo pode - autônomo e independente que é - cumprir a sua função constitucional e votar as contas.
O competente constitucionalista e Procurador do Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais, Marcílio Barenco, pensa de modo diverso e discordou das minhas colocações, asseverando o seguinte:
O inciso I do artigo 71, da CR/88, por simetria, como bem assinalado, diz que o julgamento será MEDIANTE PARECER PRÉVIO que de certo tem natureza técnico-jurídica e PODE deixar de prevalecer no momento do julgamento político - de quórum qualificado - pela Assembleia Legislativa, contudo, sem ser dispensável (ex vi art.29, parágrafo 2º da CR/88 e correspondência na Constituição do Estado de Alagoas). O prazo constitucional de emissão do PARECER PRÉVIO tem natureza jurídica de prazo impróprio para o magistrado de contas, que de certo as aprecia, emitindo Parecer Prévio, mas não julga, por ser competência da ALE. Se assim não fosse, teria o constituinte originário trazido à colação da norma eventual sanção. Pelo contrário, não o fez e nem poderia! Assim, não há que se falar em preclusão, decadência, dispensabilidade da emissão do PARECER que é sempre PRÉVIO ao julgamento político e faz parte do devido processo legal de contas do governo. A jurisdição-administrativa afeta aos Tribunais de Contas foi violada, sob aspecto substantivo e adjetivo a meu ver. A norma constitucional foi violada claramente. O fato dos Tribunais de Contas serem órgãos auxiliares dos Poderes Legislativos, não lhes retira o caráter normativo-cogente - DEVERÃO - apreciar as contas de governo, sob pena de nulidade do julgamento final - político. Sem aduzir que o Ministério Público Especial, sequer participou do devido processo legal, a meu ver, totalmente mitigado, com outra causa de nulidade absoluta. Também não há prejuízo para apreciação das contas de gestão, cujo escopo é muito maior que as contas de governo. Assim fica minha brevíssima reflexão sobre o tema, contribuindo estritamente para o debate jurídico da questão.
Apesar das ponderações do procurador Marcílio Barenco, reconhecido estudioso e professor de Direito Constitucional, vou continuar com o meu pensamento. O prazo fixado para que o parecer prévio dos tribunais de contas seja ofertado, diz-nos Barenco, seria um prazo impróprio, sem sanção, razão pela qual não haveria decadência, preclusão ou dispensabilidade da sua emissão. A assertiva tem razão, embora em parte apenas. É que o prazo fixado pela Constituição Federal para a emissão do parecer prévio dos tribunais de contas tem a finalidade de limitar a atuação do Poder Legislativo: deverá ele aguardar que haja a apreciação pelos tribunais de conta durante aquele período; se o Legislativo não aguardasse a passagem do prazo constitucionalmente estipulado, menoscabaria a esfera jurídica dos tribunais de contas, que têm o poder-dever de agir dentro daquele trato de tempo.
Mas a Constituição Federal não contém palavras inúteis; ao fixar o prazo para a emissão do parecer prévio, fez dele condição de validade do processo legislativo de apreciação das contas do Poder Executivo, não podendo o Legislativo deixar de esperar o seu transcurso completo. É dizer, o prazo estipulado para a emissão do parecer do Tribunal de Contas tem efeito suspensivo do andamento do processo legislativo. Vencido, porém, o prazo fixado pela Constituição Federal, sem que haja a oferta do parecer prévio, deixa a sua emissão de ser pressuposto de validade do processo legislativo de apreciação das contas, perdendo a qualidade de elemento completante - por isso mesmo, necessário à sua validade -, para passar à condição de elemento integrativo circunstancial do suporte fático da norma (é dizer, poderá ou não constar o parecer, sem inibição da validade e eficácia do ato legislativo).
Podemos até considerar ser aquele prazo para emissão do parecer prévio um prazo impróprio, no sentido de que não há prevaricação ou sanção a ser aplicada ao agente público que não o observou; nada obstante, do ponto de vista estrito do exercício da competência do Poder Legislativo, o prazo lhe é vinculante: não pode atuar antes do seu transcurso. O vazio de manifestação dos tribunais de contas naquele trato de tempo, sem embargo, implica na possibilidade do Legislativo julgar as contas, sem o pronunciamento das Cortes de Contas que, nessa função especificamente, nada julga, apenas opina.
Ou seja, o caráter normativo-cogente das decisões dos tribunais de contas, lembrado pelo professor Marcílio Barenco, é da natureza dos seus atos decisórios, que não se encontram hipotisados - convém bisar - na competência do art.71, I, da CF/88. Ali, no exercício dessa atribuição, nada há de vinculante ou cogente; há-o quando exerce as funções previstas nos demais incisos do art.71 da CF/88, sobretudo no inciso II. E, nesse passo, ao que serve de argumentação para os tribunais de contas, servirão de idêntico modo ao Ministério Público de Contas de cada um desses tribunais.
Logo, compreendo não haver nenhuma nulidade no exercício legítimo da apreciação das contas do Poder Executivo pela Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas, sem que tenha havido a emissão de parecer prévio no prazo fixado pela Constituição Federal.