terça-feira, 20 de janeiro de 2015

AS NOSSAS CAMADAS

Somos feitos de camadas. Deram-se conta disso? Há aquela que é visível a todos, nada obstante seja a que menos diga de nós. É a camada mais bem cuidada, ornada, fina, buscando a atenção e a aprovação dos outros, a nossa própria satisfação e orgulho. Quando, porém, fazemos uma incisão, encontramos uma outra camada mais densa, sem os requintes da que lhe antecede. Nela, os cosméticos conceituais e simbólicos começaram a diluir, aparecendo as imperfeições, os medos, as angústias, os orgulhos, as mesquinharias. É a camada que vez por outra fica à vista, quando aquela primeira, tão fina e requintada, desaparece por alguns segundos e novamente reassume o seu posto.

Há, finalmente, ao menos até onde a vista pode alcançar nessa incisão investigativa, a terceira camada, mais rombuda, dura, impermeável a uma aproximação menos altiva, que esconde o que há de mais profundo em nós mesmos. É a camada da solidão, onde ninguém consegue penetrar, inclusive nós mesmos, por vezes tantas, ficamos no alpendre, sentados sem convite para passarmos da soleira.



Essa camada nuclear envolve quem realmente somos para além de nós mesmos. Os nossos dramas, as nossas alegrias, os nosso complexos, as nossas esperanças, as nossas desilusões, as nossas buscas por sentido. É uma camada encrespada, sem ajustes e enfeites. Ela esconde a nossa essência e se apresenta apenas em raras ocasiões quando nos damos conta de nós, da euidade, do ser eu-diante-de-mim-mesmo. Quando somos ao mesmo tempo o um e o outro, objeto e sujeito, o olhar e o visto. Eis um momento raro: a nossa humanidade desnuda, as nossas misérias expostas, as nossas limitações presentes, o nosso orgulho alquebrado a nos mostrar quão pequenos somos.

É nesse raro instante, diante dessa camada mais funda em nós, que podemos silenciar, fugir, nos enganar; ou simplesmente dizer para nós mesmos: "Eis-me aqui, na minha verdade mais crua!". É nesse momento preciso que podemos ser felizes e crescermos mais como pessoa, ou, de outro lado, nos amargurarmos e nos fecharmos de vez, fazendo daquela primeira camada estreita a única que nos interessa, enganando-nos e sendo aos outros um arremedo do que somos.

E aí indago: quem já viveu essa experiência da existência nua?

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