quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Recuperando

Sou grato ao meu pai por tudo. Pelos apertos que me deu, para que fosse um homem responsável; pela orientação que deu, para que amasse Cristo e a Igreja; pelos livros que deu, quando os recursos minguavam com os desgovernos e os atrasos dos pagamentos do Estado. Sou grato pelo que não me deu, porque não pode. Sou grato por ter me feito um homem, em todos os sentidos da palavra. Meu pai nunca aceitou moleques; nunca compactuou com a preguiça, a irresponsabilidade, a covardia e a desonestidade. "Não seja uma pessoa com a cara para trás", contra a covardia. "O trabalho dignifica o homem e as coisas altas e lustrosas - repetindo Camões - só se alcançam com trabalho e fadiga", contra a preguiça e a irresponsabilidade. "Elas poderam. Eles poderam. Por que eu não posso?", contra a autocompaixão e o complexo de vira-lata. "Sem Jesus Cristo nossa vida não tem sentido", pela nossa conversão.

"Recuperando!" Esse era o meu novo nome quando fiquei em recuperação no 1º ano científico do Marista. Ele me rebatizou. Deixei de ser Adriano, perdi a identidade: "Recuperando - diazia-me à mesa -, passe a menteiga!", "Recuperando, nada de televisão. Vá estudar!". Nunca mais fiquei em recuperação em nada na vida; os livros passaram a ser meus amigos definitivos, tendo eu cumprindo a promessa que lhe fiz, logo após passar na prova de recuperação em química: "Papai, o senhor mais nunca reclamará de mim por não estudar. Mas lhe digo: haverá um dia que o senhor reclamará porque eu estudo demais!". Esse dia, um dia, chegou. E eu o lembrei da promessa e continuei estudando...

Papai é um homem inteiro, com todas as suas limitações e contradições. É um Homem, na acepção da palavra. Seus filhos não poderão nunca reclamar da omissão paterna. Nunca poderão dizerem-se frustrados por causa do pai. Somos, os quatro, frutos das nossas opções, acertos e desacertos. Mas nunca erramos porque ele se omitiu. Quando passei no concurso para juiz e não quis assumir, ele me orientou a experimentar a carreira. Quando quis sair, ele me orientou a esperar maturar a idéia. Quando sai, ele rezou por mim e esteve ao meu lado. Nuna me chamou de louco ou de irresponsável. Confiou nas minhas escolhas, porque confiava na educação que me havia dado. Se fosse um frustrado hoje, não seria por causa dele; teria toda a responsabilidade. Como sou um profissional feliz, sou-lhe grato por não ter me amarrado em uma carreira digna e importantíssima, com a qual ele próprio sonhara para ele, mas que não me realizava.

"Recuperando!", ouço a voz dele, chateado comigo. Mas do que a voz, o olhar de desapontamento. Era como se ele se perguntasse: onde foi que errei com esse menino? Eu respondo: em nada, meu pai, porque todos os seus erros foram para o nosso bem! Suas noites trabalhando no entroncamento de Penedo, como fiscal de renda, mesmo sem uma boa saúde, não foram em vão; sua preocupação em ser exemplo para os filhos, tampouco. As vezes em que o senhor e a mamãe contavam, na ponta do lápis, o que poderiam comprar para a gente, renunciando muitas vezes o que seria importante para vocês, valeu a pena: seus filhos testemunham o amor de vocês! Somos o que somos, vencemos na vida, porque lutamos; nada caiu do céu, a não ser a graça divina de termos vocês como pai e mãe.

Lembro-me do dia que uma amigo meu me questionou, na faculdade, porque estudava tanto. Ele, rico; eu, filho de funcionários públicos em um Estado que sequer pagava em dia. Respondi: "Porque o estudo é o meu trabalho!" Nada mais parecido com Lourival Nunes da Costa. O homem para quem o maior elogio dado a outro era: fulano é trabalhador! Seu caçula trabalha tanto, que às vezes vai além dos seus limites. Porque um homem é o seu trabalho, a sua luta. Sou um filho marcado por meu pai. Justamente o filho que mais o questionava, que mais resistia às suas orientações...

Escrevo essas linhas públicas com lágrimas. Sim, lembranças e mais lembranças me invadem. As pisas de cinturão (que os psicológos de hoje condenam, por sentimentalóides) deram-me fibra; os puxões de orelha, deram-me limites; os conselhos e o diálogo constante, deram-me a capacidade de pensar e discernir; a vergonha de beijar um filho, deu-me a coragem de beijar o pai e dizer que o amo; as limitações de saúde e a superação, ensinaram-se que o homem se faz na rinha, sem queixas miúdas e com a coragem de vencer; os sonhos impossíveis pelas próprias limitações da vida ensinaram-me que os sonhos que valem são os possíveis, os que podemos transformar em realidade, após a conquista. Os sonhos irrealizáveis não são sonhos; são miragens que nos afastam da realidade e nos enganam. Por isso, o meu pai é o meu herói. Por isso, o amo profundamente, porque sou o que ele me possibilitou ser, a partir das bases sólidas que ele me deu.

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