Éramos palavras, frases soltas./
Éramos vontades sem as roupas./
Éramos um tempo sem distância/
Éramos a ausência na constância.
Somos no presente os sonhos feitos;/
o amor, o querer, quadro sem defeitos./
Somos a verdade que em nós se impôs/
a eternidade plena sem que haja um depois.
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
BREVES E SOLTAS (IV)
I.
A condição para ser feliz é a aceitação da própria história e do passado.
II.
Os erros são vestimentas que adornam a nossa alma. Sem eles não podemos crescer; mas que não sejam eles desculpas, senão razões para os acertos futuros.
III.
Há, sim, muito de derrota pessoal em qualquer separação. Os casais se deixam antes de se separar; não lutaram o suficiente e se perderam nalguma esquina da vida.
IV.
Um padre que deixou de rezar e celebrar diariamente a missa é um homem que perdeu a vocação e a fé. Os ritos deixaram de ser uma liturgia necessária, o alimento da fé, passando a ser mera obrigação e repetição monocórdia.
V.
O beijo é essencial ao amor. Diz da sua efervescência. Quando as bocas não mais se querem ou não mais se buscam, todo o resto se perdeu.
VI.
Conto na palma das mãos os amigos. Mais do que isso é autoengano.
VII.
Não vale a pena pensar demais as mesmas coisas e os mesmos erros. Quem fica parado dando voltas em si mesmo perde o sabor da vida e as possibilidades do dia seguinte.
domingo, 11 de novembro de 2012
TONS CINZAS
Olho as coisas que se põem para serem vistas. Elas não sou eu; elas se fazem em mim parte de quem sou noematicamente.
Olho as minhas mãos. Espantam-me os primeiros sinais do tempo que vejo nelas. O tempo escorre por entre os dedos. São os minutos água escorrendo sem que possa dominá-los. E temo olhar para o espelho e já não me reconhecer.
Olho a vida passando como se não fosse minha. Sou um observador atônito de quem sou. Parvo. Não a domino qual montaria bravia a querer derrubar-me.
Olho quem sou e me espanto: há tantas idades em mim. Sou a criança da minha aldeia, correndo pelas ruas que me pareciam imensas. Sou o jovem angustiado que não via sentido algum nas ruas que andava. Sou o adulto perplexo e cheio de sonhos juvenis. Sou o velho que me fiz ao longo da trajetória.
Olho as minhas mãos. Espantam-me os primeiros sinais do tempo que vejo nelas. O tempo escorre por entre os dedos. São os minutos água escorrendo sem que possa dominá-los. E temo olhar para o espelho e já não me reconhecer.
Olho... Paro diante de mim mesmo. Brota em mim um sorriso no canto da boca. Há uma expressão triste, mas um quê de esperança. E sigo, porque o tempo me consome e a vida que há em mim pede mais vida, pede mais de si mesma. Não quero mais os tons cinzas. Abro a janela. O sol entra. Sinto vontade de andar e seguir. Porque há tantas razões para que o caminho se faça caminhada. E vou.
sábado, 10 de novembro de 2012
DEIXA
Deixa que meus braços alcancem o teu corpo sem que haja resistência. Qual exército dominado, deixa que as tuas defesas estejam submissas, porque doce é o sabor da entrega.
Deixa que os meus olhos penetrem os teus e dominem a tua alma, porque nesse momento não haverá nada entre mim e ti, senão a transparência do momento intemporalizado.
Deixa que meus lábios digam indecências, sejam impudicos e que as palavras ganhem novo sentido ao invadirem as tuas entranhas, molhando as tuas reentrâncias e fazendo o teu sangue pulsar.
Deixa que nossos corpos se confundam e se façam misturados, em movimentos improváveis que a anatomia não ousa explicar. Fazendo-nos um, que sejamos nós mesmos, sem confusão de almas mas misturados em desejos e gemidos sem pejo algum.
Deixa, afinal, que possamos nos amar sem medo, sem mistérios, sem recalques e, sobretudo, sem nos perder de nós mesmos diante dos desafios da vida. Que o amor se faça amor, que a entrega seja entrega, que o ciúme seja apenas o sinete de uma vida que se quer vivida na reciprocidade dos sentimentos.
E, deixando-se assim, que sejamos fortes. Fortes no caminhar, fortes no desbaste do orgulho, fortes na certeza de que somos melhores quando estamos um.
domingo, 27 de maio de 2012
Breves e soltas (III)
I.
Somos seres incongruentes, vejam só! Por isso, é que renego a lógica do razoável, a lógica do possível e a lógica do ponderável. "Abaixo a lógica", bradaram até Ministros, antes de transformarem a vida em "a coisa" a ser terapeuticamente estirpada.
II.
A horas tantas já não pensava em mais nada. Pensar era um sacrifício que emasculava a sua alma. Quis dormir, mas pensou melhor e continuou a pensar.
III.
Amor em ebolição arde mais que febre e também pede cama. Repouso, somente ao depois...
Beleza, suavidade e personalidade
Beleza é fundamental? Sim! Mas o que é o belo? Uma mulher bonita
fisicamente chama a atenção e enche os olhos. Mas a sua estética é o
começo, apenas. É impossível que algo mais profundo seja querido com ela
se mais ela não tiver, se mais ela não for.
A beleza sustenta um primeiro movimento de desejo. Estimula uma aproximação e até o jogo da conquista, a troca de olhares. Numa balada, um xaveco, uma dança, uma noite. Se for muito, mas muito bonita, uma segunda noite... Mas finda a conquista, à falta de conteúdo, outras conquistas de igual procedência passa a ser mais interessante. Salvo se ambos tiverem a mesma profundidade rasa intelectual e de valores.
Beleza é fundamental! Mas insuficiente... Nada mais interessante que uma mulher bonita, inteligente e feminina. Mulher marombada, parece-me, é uma contradição em termos. Ela há de ter formas, mas que sejam delicadas, suaves e com curvas suficientes para a perdição, sem que sejam excessivas. Seios e bumbum são necessários, como à música faz-se imperioso o ritmo e a letra adequados. Mas que sejam proporcionais ao todo, sem demasias que quebrem a harmonia ou carências que empalideçam o conjunto da obra.
Sim, mas o conteúdo há-de ser simétrico à forma. Beleza pensante, inteligente, que faz a refrega ser saciada em momentos posteriores de carinho, conjunção de corpos cansados que se deixam entregues e sustentados em um bom papo, uma conversa agradável, em que as horas passam em um piscar de olhos. A mulher bonita e inteligente desafia o tempo, o constrange, o faz módico. Não cansa a vista tampouco a alma.
A mulher apenas bonita pode ser um troféu de momento, com um carro que mostra aos amigos, um relógio novo ou mais um bem de consumo qualquer. Mas a mulher bonita adornada pela inteligência não é troféu, mas um constante campeonato nunca vencido, uma eterna e diária conquista, uma razão para lutar e temer a perda. Vale cada esforço, cada momento, cada elogio, cada cuidado... Ela é como o horizonte de fim de tarde, cujo sol pinta no céu um quadro único; e quanto mais nos aproximamos, mais cresce em nós o encanto e a certeza de que nunca o teremos dominado, nunca nos apropriaremos, seremos sempre pequenos diante da sua beleza completa, plena...
Beleza é fundamental, porém que seja feminina e suave. Que saiba ser e se fazer mulher. O perfume, o vestir-se, o cuidar-se para quem se ama. E que seja séria, muito séria, mantendo a exata distância para os outros; e que seja deliciosamente amante, despudorada na entrega àquele que lhe tomou o coração e a alma. E sendo assim, será como um sonho, um presente, uma descoberta constante, que se renova todos os dias.
É, que me desculpem as feias, as marombadas e as assanhadas, mas beleza, suavidade e personalidade são fundamentais.
A beleza sustenta um primeiro movimento de desejo. Estimula uma aproximação e até o jogo da conquista, a troca de olhares. Numa balada, um xaveco, uma dança, uma noite. Se for muito, mas muito bonita, uma segunda noite... Mas finda a conquista, à falta de conteúdo, outras conquistas de igual procedência passa a ser mais interessante. Salvo se ambos tiverem a mesma profundidade rasa intelectual e de valores.
Beleza é fundamental! Mas insuficiente... Nada mais interessante que uma mulher bonita, inteligente e feminina. Mulher marombada, parece-me, é uma contradição em termos. Ela há de ter formas, mas que sejam delicadas, suaves e com curvas suficientes para a perdição, sem que sejam excessivas. Seios e bumbum são necessários, como à música faz-se imperioso o ritmo e a letra adequados. Mas que sejam proporcionais ao todo, sem demasias que quebrem a harmonia ou carências que empalideçam o conjunto da obra.
Sim, mas o conteúdo há-de ser simétrico à forma. Beleza pensante, inteligente, que faz a refrega ser saciada em momentos posteriores de carinho, conjunção de corpos cansados que se deixam entregues e sustentados em um bom papo, uma conversa agradável, em que as horas passam em um piscar de olhos. A mulher bonita e inteligente desafia o tempo, o constrange, o faz módico. Não cansa a vista tampouco a alma.
A mulher apenas bonita pode ser um troféu de momento, com um carro que mostra aos amigos, um relógio novo ou mais um bem de consumo qualquer. Mas a mulher bonita adornada pela inteligência não é troféu, mas um constante campeonato nunca vencido, uma eterna e diária conquista, uma razão para lutar e temer a perda. Vale cada esforço, cada momento, cada elogio, cada cuidado... Ela é como o horizonte de fim de tarde, cujo sol pinta no céu um quadro único; e quanto mais nos aproximamos, mais cresce em nós o encanto e a certeza de que nunca o teremos dominado, nunca nos apropriaremos, seremos sempre pequenos diante da sua beleza completa, plena...
Beleza é fundamental, porém que seja feminina e suave. Que saiba ser e se fazer mulher. O perfume, o vestir-se, o cuidar-se para quem se ama. E que seja séria, muito séria, mantendo a exata distância para os outros; e que seja deliciosamente amante, despudorada na entrega àquele que lhe tomou o coração e a alma. E sendo assim, será como um sonho, um presente, uma descoberta constante, que se renova todos os dias.
É, que me desculpem as feias, as marombadas e as assanhadas, mas beleza, suavidade e personalidade são fundamentais.
Breves e soltas (II)
I.
De tanto prestar atenção ao rótulo, nunca se enganou de frasco. E tudo
foi sempre como esperado. Se não teve más surpresas, boas também deixou
de ter. Foi a vida geometricamente perfeita até a morte. A lápide aposta
em seu túmulo anunciava: "Viveu conforme os rótulos; morreu de tédio e
falta de criatividade generalizada".
II.
Era como uma pintura o horizonte visto da janela. Não sabia, porém, que a
beleza maior só poderia ser vista na aventura da rua. Bastava-lhe,
porém, o que sem luta já estava à sua disposição.
III.
Não lhe faltava apetite; apenas coragem. Por isso, definiu que a vida
seria apena o antepasto. Não se banqueteava, porque lhe exigiria, mais
do que fome, disposição...
IV.
A mulher era tão feia, mas tão feia, que o espelho selou um compromisso com ela: só se encontravam pelo avesso!
Viver a vida em abundância
Não quero viver olhando o que deixei de fazer, me arrependendo pelas
indecisões, omissões, comodismos. Prefiro a inquietude à paz dos mortos;
prefiro a angústia dos que fazem à serenidade dos que abdicaram dos
seus sonhos. Que a sede de viver me consuma, que o amor me desabrigue,
que os desafios se apresentem e sejam desafiados.
Quero viver o medo de errar, errando, na tentativa dos acertos; não quero a precisão dos inertes, a diplomacia dos acomodados, a vitória por wo. A vida, desejo tomá-la com as unhas, porque ou há sede de sentido ou caímos no vazio, no nada, na esterilidade.
Nasci para ser torto; o certo, o perfeito, o exato não me fascinam. São atemporais e imateriais. Minha contigência me impõe a sede de infinito; minha humanidade, a fé em que me ultrapassa, a clareza da Cruz e a esperança na Ressurreição.
Quero amar sem medo, sem cobranças, sem regras. Amar por amar, porque ela se faz inteira em mim, seu olhar me devora, a sua voz provoca meu sangue, a sua boca me diz do amor e faz o beijo ser mais beijo. Quero a alma em chamas, porque só assim vencemos o que nos oprime, o peso amargo do cotidiano.
Enfim, proclamo a felicidade dos que lutam, a paz dos que porfiam, a esperança dos que buscam, os sonhos dos que se aventuram, a fé dos que são capazes de morrer pelo que crêem. Proclamo que vida não seja uma sucessão de dias, um cotidiano repetitivo e oco, um país com fronteiras. A vida seja vida em abundância, afinal, e que em nós brote a responsabilidade de decidir e assumir os caminhos tomados e a alegria dos passos dados...
Quero viver o medo de errar, errando, na tentativa dos acertos; não quero a precisão dos inertes, a diplomacia dos acomodados, a vitória por wo. A vida, desejo tomá-la com as unhas, porque ou há sede de sentido ou caímos no vazio, no nada, na esterilidade.
Nasci para ser torto; o certo, o perfeito, o exato não me fascinam. São atemporais e imateriais. Minha contigência me impõe a sede de infinito; minha humanidade, a fé em que me ultrapassa, a clareza da Cruz e a esperança na Ressurreição.
Quero amar sem medo, sem cobranças, sem regras. Amar por amar, porque ela se faz inteira em mim, seu olhar me devora, a sua voz provoca meu sangue, a sua boca me diz do amor e faz o beijo ser mais beijo. Quero a alma em chamas, porque só assim vencemos o que nos oprime, o peso amargo do cotidiano.
Enfim, proclamo a felicidade dos que lutam, a paz dos que porfiam, a esperança dos que buscam, os sonhos dos que se aventuram, a fé dos que são capazes de morrer pelo que crêem. Proclamo que vida não seja uma sucessão de dias, um cotidiano repetitivo e oco, um país com fronteiras. A vida seja vida em abundância, afinal, e que em nós brote a responsabilidade de decidir e assumir os caminhos tomados e a alegria dos passos dados...
Breves e soltas
I.
Somos o somatório da imagem que fazem de nós ou a imagem que nós próprios fazemos? Ou nem uma coisa nem outra? Somos o que somos; quem diz de nós são os nossos pensamentos e as nossas ações. Somos a totalidade da nossa história e o ainda por fazer-se.
II.
Drummondiano: Não fosse eu consumido pela vida, os desafios nada me diziam. Nasci um anjo torto, com tantas faces mais que sete, e desde sempre propenso a ser "gauche" na vida.
III.
Iam as horas já lerdas, cansadas de si mesmas. E não podiam parar, porque o tempo, esse severo senhor, não lhes dá sossego. Deram-se conta, então, que viver é já e sempre cumprir o seu destino, mesmo quando pesado. E tic tac! Tic tac!
IV.
"Tu não és um homem sábio; tu tens sonhos e paixão. A paixão cega; os sonhos iludem", disse-me um sábio. "Que faço eu?" - perguntei à minha alma apequenada, pois o que me move são justamente os sonhos e as paixões. E fiquei com o dilema cruel: ser sábio ou ser feliz com as minhas buscas...
V.
O que pede o seu coração? Dá a ele a chance da expressão, para que o silêncio não lhe pode as batidas, não lhe atropele o gosto de pulsar a vida. Coração que não diz de si mesmo não pode cumprir a sua vocação de fazer o sangue correr nas artérias, irrigando até mesmo a alma.
VI.
E lá ia eu, cioso dos meus sentimentos, quando as palavras me encontraram e quiseram me despertar do sonho. Olhei para elas com as armas da ortografia, impus-lhes um ponto e vírgula e completei a oração. O que de mal havia virou uma proposição sem sentido, como as frases que ficam pedindo complemento. Por ponto e vírgula não acaba a oração; dá-lhe o instante de respiração e a chance do refazer-se no andar do discurso.
VII.
O amor é um rio caudaloso e profundo. Nada há que lhe sirva de óbice, tampouco lhe tolha a caminhada rumo ao seu destino. Suas águas são transparentes e fundas, até que se deixem misturar ao oceano e ganhe o tempero que lhe faltava.
VIII.
As palavras são veículos da expressão. Por elas, damos aos outros o que antes só habitava em nós. Elas dão sentido ao mundo, como as cores que fazem a tela ganhar vida e sentido.
Somos o somatório da imagem que fazem de nós ou a imagem que nós próprios fazemos? Ou nem uma coisa nem outra? Somos o que somos; quem diz de nós são os nossos pensamentos e as nossas ações. Somos a totalidade da nossa história e o ainda por fazer-se.
II.
Drummondiano: Não fosse eu consumido pela vida, os desafios nada me diziam. Nasci um anjo torto, com tantas faces mais que sete, e desde sempre propenso a ser "gauche" na vida.
III.
Iam as horas já lerdas, cansadas de si mesmas. E não podiam parar, porque o tempo, esse severo senhor, não lhes dá sossego. Deram-se conta, então, que viver é já e sempre cumprir o seu destino, mesmo quando pesado. E tic tac! Tic tac!
IV.
"Tu não és um homem sábio; tu tens sonhos e paixão. A paixão cega; os sonhos iludem", disse-me um sábio. "Que faço eu?" - perguntei à minha alma apequenada, pois o que me move são justamente os sonhos e as paixões. E fiquei com o dilema cruel: ser sábio ou ser feliz com as minhas buscas...
V.
O que pede o seu coração? Dá a ele a chance da expressão, para que o silêncio não lhe pode as batidas, não lhe atropele o gosto de pulsar a vida. Coração que não diz de si mesmo não pode cumprir a sua vocação de fazer o sangue correr nas artérias, irrigando até mesmo a alma.
VI.
E lá ia eu, cioso dos meus sentimentos, quando as palavras me encontraram e quiseram me despertar do sonho. Olhei para elas com as armas da ortografia, impus-lhes um ponto e vírgula e completei a oração. O que de mal havia virou uma proposição sem sentido, como as frases que ficam pedindo complemento. Por ponto e vírgula não acaba a oração; dá-lhe o instante de respiração e a chance do refazer-se no andar do discurso.
VII.
O amor é um rio caudaloso e profundo. Nada há que lhe sirva de óbice, tampouco lhe tolha a caminhada rumo ao seu destino. Suas águas são transparentes e fundas, até que se deixem misturar ao oceano e ganhe o tempero que lhe faltava.
VIII.
As palavras são veículos da expressão. Por elas, damos aos outros o que antes só habitava em nós. Elas dão sentido ao mundo, como as cores que fazem a tela ganhar vida e sentido.
terça-feira, 1 de maio de 2012
FÓRMULA DO AMOR
Amar é intemporal e geograficamente ubíquo. O amor não tem tempo nem espaço; é energia vital, que doses cavalares toma não apenas o coração, mas cada poro do corpo e cada pedaço da alma.
O amor, assim, desafia as leis da física e dá um ultimato à razão pura kantiana. Nele tudo é já de antemão a priori, sem que se possa mais falar em depois. O amor é; como o ser, não admite definições, senão tautologias ocas.
Ama-se! Ama-se e, com isso, se deixa apoderar o coração, os pensamentos, o corpo, a alma. E o ser, assim amante, outra coisa mais não é que uma busca do ser amado, esse complemento que não completa, esse outro que, para ser amado, haverá de ser sempre outro, na sua individualidade, nas suas idiossincrasias.
No amor há fórmulas? Há quem diga que se ama de A a Z, assim, na completude e inteireza do ser. Mas uma outra fórmula possível é dizer que o amor é igual à soma da Luz, que tudo ilumina, e da Caridade, que nos faz abrir a alma ao outro, querer o bem, buscar a verdade e a felicidade do outro (A'= L + C).
Sim, Luz e Caridade é o amor verdadeiro. E, quando esse amor se converte no amor de homem e mulher, a fórmula ganha o elemento da sexualidade, da carne que nos revela não sermos anjos celestes, mas humanos para vivermos a nossa humanidade (A''= L + C + C).
A' é o amor ágape; A" é o amor eros. O Eros é o amor com ágape, acrescido de um "plus": o desejo sexual que pede a inteireza de alma e carne.
Eis aí uma fórmula para o amor...
O amor, assim, desafia as leis da física e dá um ultimato à razão pura kantiana. Nele tudo é já de antemão a priori, sem que se possa mais falar em depois. O amor é; como o ser, não admite definições, senão tautologias ocas.
Ama-se! Ama-se e, com isso, se deixa apoderar o coração, os pensamentos, o corpo, a alma. E o ser, assim amante, outra coisa mais não é que uma busca do ser amado, esse complemento que não completa, esse outro que, para ser amado, haverá de ser sempre outro, na sua individualidade, nas suas idiossincrasias.
No amor há fórmulas? Há quem diga que se ama de A a Z, assim, na completude e inteireza do ser. Mas uma outra fórmula possível é dizer que o amor é igual à soma da Luz, que tudo ilumina, e da Caridade, que nos faz abrir a alma ao outro, querer o bem, buscar a verdade e a felicidade do outro (A'= L + C).
Sim, Luz e Caridade é o amor verdadeiro. E, quando esse amor se converte no amor de homem e mulher, a fórmula ganha o elemento da sexualidade, da carne que nos revela não sermos anjos celestes, mas humanos para vivermos a nossa humanidade (A''= L + C + C).
A' é o amor ágape; A" é o amor eros. O Eros é o amor com ágape, acrescido de um "plus": o desejo sexual que pede a inteireza de alma e carne.
Eis aí uma fórmula para o amor...
Palavras...
Palavras para alma são carinhos, são espinhos
São palavras
Entram pelo ouvido ou perfuram nossos olhos
alarido, gemido, ais,
São palavras
Ditas, escritas ou proscritas
nos invadem e consomem
São palavras.
Bem ditas, malditas, ciciadas
Nos dominam ou crepitam
São palavras.
Que delas cuidem os que as usam,
lambuzam a blusa ou ajudam o despir
Porque são palavras que fazem o agir...
São palavras
Entram pelo ouvido ou perfuram nossos olhos
alarido, gemido, ais,
São palavras
Ditas, escritas ou proscritas
nos invadem e consomem
São palavras.
Bem ditas, malditas, ciciadas
Nos dominam ou crepitam
São palavras.
Que delas cuidem os que as usam,
lambuzam a blusa ou ajudam o despir
Porque são palavras que fazem o agir...
Amar amar a mulher amada
Não existe relacionamento amoroso perfeito, sem choques ou sem dor. Se perfeito ele for, se não houver momentos de desentendimentos ou cobranças, é porque ambos se acostumaram com o que têm, não sonham mais, não se olham mais, já estão empanturrados do vazio da relação.
Uma relação se desgasta mais pelo adormecimento do que pelos conflitos. Quando há o comodismo, o dar de ombros, o "tanto faz", é porque o outro já não importa tanto; o convívio passou a ser natural, como natural é a porta de madeira na entrada da casa. Está ali, sem que nem sempre nos demos conta dela... O "estar ali" é o costume morto, como a aceitação da camisa poida, o andar com a meia levemente furada, o comer o cuscuz já frio. Nada importa porque simplesmente já não chama a atenção.
Melhor os desentendimentos. Claro, no limite do respeito, decorrendo da vontade de que o outro possa refletir sobre algo. O conflito é, muitas vezes, produtivo para o casal, desde que haja amor e a vontade sincera de construir as pontes para o outro. Brigar por brigar é tão vazio como o estar por estar; é a morte inquieta da relação, a última convulsão.
O fundamental em uma relação a dois é que haja amor inquieto. O amor dormente, o amor acomodado, o amor saciado, o amor silencioso, o amor sem tesão, o amor satisfeito... são expressões do amor moribundo. A inquietude significa o importar-se, o sair de si, o ter medo de perder, o enciumar-se, o cuidar, o nutrir, o buscar, o estar vigilante... É o amor em estado de ebulição!
Sim, cuidado! A mulher é um bicho estranho. Ela nunca esquece o que lhe é dito; ela guarda todas as suas mágoas em um pote, dentro de um cofre com segredo criptografado. E leva consigo aquelas mágoas até onde o tempo lhe dê algum tino para, na primeira oportunidade, cobrar com juros e correção monetária aquela ofensa sentida. A mulher ama com a mesma intensidade com que cobra e guarda...
Se lá para as tantas você diz "eu te amo" e, antes, fez alguma observação ou brincadeira que lhe desagradou, ela apenas dará atenção ao desagrado; o "eu te amo" cai no abismo das suas cobranças, dos seus reclamos e, no mais da vez, da sua vitimização. Ah, essa é uma poderosa arma para a mulher, porque nos põe frágeis, pequenos, se ela se mostra atingida por algo dito ou feito por nós, gerando em nós a mais profunda compunção.
Desisti de tentar compreender a mulher amada. Quanto mais amada, quanto mais nos damos, mais ela nos cobra e exige, mais ela nos nega ter recebido o amor e a atenção que damos, mais ela nos ataca e exige, fazendo-se de vítima da secura de um amor viçoso e cheio de vida, que ela finge não ver...
É por essas e outras que amo amar a mulher amada. Porque só ela pode ser assim tão contraditória, tão cheia de misteriosos caminhos, tão complexa em nos dar abrigo sem nos tirar do relento, tão rica, sendo dadivosa, e tão pobre, sendo fria quando quer ser, a nos fazer mendigos dos beijos, carinhos e cuidados...
sexta-feira, 13 de abril de 2012
Homem sem humanidade
Ele entrou na sala de audiências com algemas, acompanhado de dois
policiais militares. Sentou-se na cadeira dos réus. A acusação era de
que havia praticado latrocínio sem dar a vítima, um vigia noturno,
chances de se defender. Matara para roubar um revólver e praticar crimes
naquela região de Penedo. Promotor e defensor público em seus lugares,
iniciei o interrogatório com a qualificação do acusado e as perguntas de praxe do Código de Processo Penal.
Naquela quadra, eu tinha 27 anos e era juiz de Direito em Penedo. O Fórum estava em reforma e estávamos em um casarão antigo, em condições precárias de trabalho. No chão, sem que nos desse conta dos riscos que corríamos, uma caixa de papelão cheia de armas (facas, foices, estiletes, revólveres enferrujados) de outros processos, custodiadas como provas.
Olhei para aquele homem em minha frente. Rosto moreno, com algumas marcas nas maçâs do rosto de pano branco, cabelos bem crespos aparados, relativamente magro, porém forte, com um perfil um pouco atlético. Vestido de camisa de algodão branca e bermuda até os joelhos, devia ele ter entre 20 a 25 anos.
À medida que fazia as perguntas protocolares, ele respondia de cabeça baixa. Se sabia sobre os fatos que lhe eram imputados, se era verdadeira a acusação que pesava sobre si, etc. Quando iniciei a detalhar os acontecimentos da noite do crime, que ele negava ter praticado - mesmo com todas as provas consistentemente demonstrando o contrário -, ele mudou o comportamento. Já não respondia de cabeça baixa. Levantou o rosto e, pela vez primeira, vi os seus olhos.
Era um olhar metálico, frio, sem alma. Não parecia haver vida humana ali, diante de mim, mas um animal enjaulado, sem culpas ou remorsos, sem sentimentos que lhe dessem qualquer traço de humanidade. Impressionou-me sobremodo aquele olhar. E ele cuidava em responder me olhando firmemente nos olhos, nitidamente buscando me intimidar para que as minhas perguntas terminassem logo ou para que eu não fosse detalhista.
Ordenei, de inopino, que ele respeitasse o juízo e baixasse a cabeça. Ele obedeceu. Continuei o interrogatório. Novamente, com olhar ainda mais frio, impenetrável, ele me encarou de modo ainda mais ameaçador. Mandei novamente que baixasse a cabeça. Ele obedeceu. Mas, uma terceira vez, fez o mesmo procedimento. Dessa vez, não determinei mais nada. Continuei a indagá-lo, fitando os seus olhos com firmeza, em um nítido jogo mental que ele estava entabulando: o jogo do amedontramento.
A audiência foi toda ela tensa. Sentia no ar um clima tenso, também do membro do Ministério Público e da Defensoria Pública. Os policiais, em pé, um de cada lado, conservavam a fera passiva, sentada, porém sempre com olhar metálico, amoral.
Terminada a oitiva das testemunhas de defesa e acusação, alegações finais orais, prolatei a sentença de procedência (latrocínio é crime afeto à competência do juiz togado e não do Tribunal do Júri). Apliquei-lhe a maior pena base possível, cumulada com todas as agravantes imagináveis e sem nenhuma atenuante. Pena máxima, sem progressão de regime. Quem quisesse que recorresse daquela sanção justa e exacerbada.
Não sei o que é feito desse bandido. Mas nunca esqueci o olhar daquele rapaz. Dei-me conta, ali, que o mal existe, sim, em estado puro, sem meia medida. Aquele homem não tinha humanidade; era um demônio em forma de gente, um psicopata sem emoção, alguém cujos sentimentos nobres da civilização não fazia morada.
Terminado o julgamento, foi ele levado ao presídio. Só então dei-me conta do risco que corrêramos e o porquê dele olhar, de quando em vez, para um ponto fixo atrás de mim: a caixa cheia de armas. Talvez calculasse ele o sucesso que poderia ter em alcançá-la, levando em conta a presença dos dois policiais armados e das algemas que não foram retiradas durante a audiência, dada a sua periculosidade.
Suei frio. Estávamos todos diante de um perigo real sem que nos déssemos conta da sua gravidade.
Nunca mais soube notícias desse bandido. Mas ele, por certo, é uma das lembranças que trago dos meus 3 anos de magistratura. Com ele, repito, aprendi que o mal existe como força bruta e que há homens sem haja neles marcas ou lembranças de humanidade.
Naquela quadra, eu tinha 27 anos e era juiz de Direito em Penedo. O Fórum estava em reforma e estávamos em um casarão antigo, em condições precárias de trabalho. No chão, sem que nos desse conta dos riscos que corríamos, uma caixa de papelão cheia de armas (facas, foices, estiletes, revólveres enferrujados) de outros processos, custodiadas como provas.
Olhei para aquele homem em minha frente. Rosto moreno, com algumas marcas nas maçâs do rosto de pano branco, cabelos bem crespos aparados, relativamente magro, porém forte, com um perfil um pouco atlético. Vestido de camisa de algodão branca e bermuda até os joelhos, devia ele ter entre 20 a 25 anos.
À medida que fazia as perguntas protocolares, ele respondia de cabeça baixa. Se sabia sobre os fatos que lhe eram imputados, se era verdadeira a acusação que pesava sobre si, etc. Quando iniciei a detalhar os acontecimentos da noite do crime, que ele negava ter praticado - mesmo com todas as provas consistentemente demonstrando o contrário -, ele mudou o comportamento. Já não respondia de cabeça baixa. Levantou o rosto e, pela vez primeira, vi os seus olhos.
Era um olhar metálico, frio, sem alma. Não parecia haver vida humana ali, diante de mim, mas um animal enjaulado, sem culpas ou remorsos, sem sentimentos que lhe dessem qualquer traço de humanidade. Impressionou-me sobremodo aquele olhar. E ele cuidava em responder me olhando firmemente nos olhos, nitidamente buscando me intimidar para que as minhas perguntas terminassem logo ou para que eu não fosse detalhista.
Ordenei, de inopino, que ele respeitasse o juízo e baixasse a cabeça. Ele obedeceu. Continuei o interrogatório. Novamente, com olhar ainda mais frio, impenetrável, ele me encarou de modo ainda mais ameaçador. Mandei novamente que baixasse a cabeça. Ele obedeceu. Mas, uma terceira vez, fez o mesmo procedimento. Dessa vez, não determinei mais nada. Continuei a indagá-lo, fitando os seus olhos com firmeza, em um nítido jogo mental que ele estava entabulando: o jogo do amedontramento.
A audiência foi toda ela tensa. Sentia no ar um clima tenso, também do membro do Ministério Público e da Defensoria Pública. Os policiais, em pé, um de cada lado, conservavam a fera passiva, sentada, porém sempre com olhar metálico, amoral.
Terminada a oitiva das testemunhas de defesa e acusação, alegações finais orais, prolatei a sentença de procedência (latrocínio é crime afeto à competência do juiz togado e não do Tribunal do Júri). Apliquei-lhe a maior pena base possível, cumulada com todas as agravantes imagináveis e sem nenhuma atenuante. Pena máxima, sem progressão de regime. Quem quisesse que recorresse daquela sanção justa e exacerbada.
Não sei o que é feito desse bandido. Mas nunca esqueci o olhar daquele rapaz. Dei-me conta, ali, que o mal existe, sim, em estado puro, sem meia medida. Aquele homem não tinha humanidade; era um demônio em forma de gente, um psicopata sem emoção, alguém cujos sentimentos nobres da civilização não fazia morada.
Terminado o julgamento, foi ele levado ao presídio. Só então dei-me conta do risco que corrêramos e o porquê dele olhar, de quando em vez, para um ponto fixo atrás de mim: a caixa cheia de armas. Talvez calculasse ele o sucesso que poderia ter em alcançá-la, levando em conta a presença dos dois policiais armados e das algemas que não foram retiradas durante a audiência, dada a sua periculosidade.
Suei frio. Estávamos todos diante de um perigo real sem que nos déssemos conta da sua gravidade.
Nunca mais soube notícias desse bandido. Mas ele, por certo, é uma das lembranças que trago dos meus 3 anos de magistratura. Com ele, repito, aprendi que o mal existe como força bruta e que há homens sem haja neles marcas ou lembranças de humanidade.
Gente e bichos: somos águia, galinha e borboleta!
Um animal que sempre está associado ao combate é a águia. É uma ave
predadora, cujo olhar intimida. Não é à-toa que virou um dos símbolos de
força dos americanos. Mas a águia tem uma história interessante como
espécie. Quem nos conta é Renato Bilher:
Aqui, como vimos, há uma outra característica da águia: a sua longevidade, porém dependente do sacrifício que esteja disposta a suportar. O sacrifício termina sendo, também para nós, um elemento de longevidade profissional ou pessoal. Ninguém vence na vida sem abdicar dos bicos e das unhas sem pegada; ninguém vence sem uma cota de dor, de perdas, de suor, lágrimas e muita determinação.
Ainda sobre a águia há uma interessante metáfora de James Aggrey, adaptada por Leonardo Boff, que nos ajuda também a refletir sobre o sentido da vida, a nossa vocação e os desafios assumidos.
"A águia é a ave que possui maior longevidade da espécie, chega a viver setenta anos. Mas para chegar a essa idade, aos quarenta anos ela tem que to mar uma séria e difícil decisão. Aos quarenta ela está com as unhas compridas e flexíveis, não consegue mais agarrar suas presas das quais se alimenta. O bico alongado e pontiagudo se curva. Apontando contra o peito estão as asas, envelhecidas e pesadas em função da grossura das penas, e voar já é tão difícil!
Então a águia só tem duas alternativas: Morrer, ou enfrentar um dolorido processo de renovação que irá durar cento e cinquenta dias. Esse processo consiste em voar para o alto de uma montanha e se recolher em um ninho próximo a um paredão onde ela não necessite voar. Então, após encontrar esse lugar, a águia começa a bater com o bico em uma parede até conseguir arrancá-lo.
Após arrancá-lo, espera nascer um novo bico, com o qual vai depois arrancar suas unhas. Quando as novas unhas começam a nascer, ela passa a arrancar as velhas penas. E só cinco meses depois sai o formoso vôo de renovação e para viver então mais trinta anos.
Em nossa vida, muitas vezes, temos de nos resguardar por algum tempo e começar um processo de renovação. Para que continuemos a voar um voo de vitória, devemos nos desprender de lembranças, costumes, velhos hábitos que nos causam dor.
Somente livres do peso do passado, poderemos aproveitar o resultado valioso que a renovação sempre nos traz."
Aqui, como vimos, há uma outra característica da águia: a sua longevidade, porém dependente do sacrifício que esteja disposta a suportar. O sacrifício termina sendo, também para nós, um elemento de longevidade profissional ou pessoal. Ninguém vence na vida sem abdicar dos bicos e das unhas sem pegada; ninguém vence sem uma cota de dor, de perdas, de suor, lágrimas e muita determinação.
Ainda sobre a águia há uma interessante metáfora de James Aggrey, adaptada por Leonardo Boff, que nos ajuda também a refletir sobre o sentido da vida, a nossa vocação e os desafios assumidos.
"A ÁGUIA E A GALINHA: Uma metáfora da condição humana
Era uma vez um camponês que foi a floresta vizinha apanhar um pássaro para mantê-lo em sua casa. Conseguiu pegar um filhote de águia. Coloco-o no galinheiro junto com as galinhas. Comia milho e ração própria para galinhas. Embora a águia fosse o rei/rainha de todos os pássaros. Depois de cinco anos, este homem recebeu em sua casa a visita de um naturalista. Enquanto passeavam pelo jardim, disse o naturalista:
- Esse pássaro aí não é galinha. É uma águia.
- De fato – disse o camponês. É águia. Mas eu criei como galinha.
Ela não é mas uma águia. Transformou-se em galinha como as outras, apesar das asas de quase três metros de extensão.
- Não – retrucou o naturalista. Ela é e será sempre uma águia. Pois tem um coração de águia. Este coração a fará um dia voar às alturas.
- Não, não – insistiu o camponês. Ela virou galinha e jamais voará como águia.
Então decidiram fazer uma prova. O naturalista tomou a águia, ergueu-a bem alto e desafiando-a disse:
- Já que você de fato é uma águia, já que você pertence ao céu e não a terra, então abra suas asas e voe!
A águia pousou sobre o braço estendido do naturalista. Olhava distraidamente ao redor. Viu as galinhas lá embaixo, ciscando grãos. E pulou para junto delas. O camponês comentou:
- Eu lhe disse, ela virou uma simples galinha!
- Não! – tornou a insistir o naturalista. Ela é uma águia! E uma águia será sempre uma águia. Vamos experimentar novamente amanhã.
No dia seguinte, o naturalista subiu com a águia no teto da casa. Sussurrou-lhe:
- Águia, já que você é uma águia, abra as suas asas e voe!
Mas quando a águia viu lá embaixo as galinhas, ciscando o chão, pulou e foi para junto delas. O camponês sorriu e voltou à carga:
- Eu lhe havia dito, ela virou galinha!
- Não! – respondeu firmemente o naturalista. Ela é águia, possuirá sempre um coração de águia. Vamos experimentar ainda uma ultima vez. Amanhã a farei voar.
No dia seguinte, o naturalista e o camponês levantaram bem cedo. Pegaram a águia, levaram para fora da cidade, longe das casas dos homens, no alto de uma montanha. O sol nascente dourava os picos das montanhas. O naturalista ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe:
- Águia, já que você é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, abra suas asas e voe!
A águia olhou ao redor. Tremia como se experimentasse nova vida. Mas não voou. Então o naturalista segurou-a firmemente, bem na direção do sol, para que seus olhos pudessem encher-se da claridade solar e da vastidão do horizonte.
Nesse momento, ela abriu suas potentes asas, grasnou com o típico kau-kau das águias e ergue-se, soberana, sobre se mesma. E começou a voar, a voar para o alto, a voar cada vez mais para o alto. Voou... voou... até confundir-se com o azul do firmamento...
E Aggrey terminou conclamando:
- Irmãos e irmãs, meus compatriotas! Nós fomos criados à imagem e semelhança de Deus! Mas houve pessoas que nos fizeram pensar como galinhas. E muitos de nós ainda acham que somos efetivamente galinhas. Mas nós somos águias. Por isso, companheiros e companheiras, abramos as asas e voemos . Voemos como as águias. Jamais nos contentemos com os grãos que nos jogarem aos pés para ciscar".
Um animal que, ao contrário, está associado à delicadeza é a
borboleta. Leio na Wikipédia que "o termo grego 'psyche' tinha dois
significados originalmente. Um deles era alma e o outro, borboleta, que
simbolizava o espírito imortal. Na mitologia grega, a personificação da
alma é representada por uma mulher com asas de borboleta. Segundo as
crenças gregas populares, quando alguém morria, o espírito saia do corpo com uma forma de borboleta".
A borboleta revela, penso eu, a fragilidade: uma beleza sem par, com
cores vibrantes ou não, ela parece não ter defesas, mesmo quando ainda
lagarta. Mesmo assim, nessa fase, como muito para guardar energia e se
enclausurar. É como se fosse para dar um tempo, refletir, refazer-se,
para só então se transformar, dando um salto para a liberdade. O casulo
se rompe para abrir o mundo para a borboleta. Frágil, sim, mas com
coragem suficiente para voar, para polinizar o mundo. A fragilidade e a
beleza são suas características conaturais, mas ser frágil não implica
ausência de atitude, de coragem de voar para cumprir o seu papel, para
viver a sua vocação, para autorrealizar-se como ser-no-mundo, na
temporalidade.
Atitude. Sem desculpas ou sem despedir-se das suas responsabilidades
para afetá-la a outros. A borboleta não se esconde em sua fragilidade,
porque - se o fizesse - não sairia do casulo, não deixaria nunca de ser
pupa, escondida dentro da crisálida.
Na natureza, não importa se o animal é forte, como a águia, ou frágil,
como a borboleta. O que realmente importa, no ciclo da vida, é se vive a
sua vocação, é se faz a sua parte sem esperar que alguém faça por si,
como uma eterna justificativa para não ser plenamente realizado no papel
que a natureza lhe reservou.
Se temos um lado águia, voltados para os voos altos e os largos
horizontes, temos que ter um lado galinha, para que não percamos de ter
os pés no chão, a busca de terra firme aonde pousar. E, ainda, um lado
borboleta, em que saibamos ter coragem de voar apesar dos nossos medos,
das nossas fragilidades.
ÁGUIA = vontade de voar e sonhar alto;
GALINHA = pés nos chão, com a realidade diante dos olhos;
BORBOLETA = coragem para realizar os sonhos de voar, mesmo com as suas fragilidades.
Eis aí três facetas de uma mesma realidade complexa que somos nós. A
atitude, os gestos, eles são nossos, quando queremos lutar pelo que vale
a pena na realização da nossa vocação, dos nossos sonhos. Temos sempre
que fazer a nossa parte!
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