INSEGURANÇA JURÍDICA
Abuso dos princípios constitucionais ameaça jurisprudência, dizem especialistas.
Daniella Dolme - 27/09/2009 - 12h00
Não há critério que oriente como princípios devem ser ponderados, diz Eros Grau
O principal problema enfrentado para preservar a segurança jurídica, atualmente, reside na utilização abusiva dos princípios constitucionais para resolver as questões levadas aos tribunais. A opinião é do professor titular de direito constitucional da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) Elival da Silva Ramos e do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Eros Grau.
De acordo com o ministro Eros Grau, quando ocorre o abuso dos princípios, e mais grave ainda, quando nesse abuso as preferências pessoais predominam, “se faz a chamada ponderação dos princípios e acabamos decidindo no plano do arbítrio”. Com isso, segundo ele, “a insegurança jurídica se instala, na medida em que o STF deixa de ser controlador da constitucionalidade e passa a exercer o comando da proporcionalidade e razoabilidade das leis”.
Para Elival Ramos, conforme a Corte se afasta dos parâmetros jurídicos normativos, se aproxima mais e mais da “principiologização do direito constitucional”, ou seja, de querer resolver as questões não só usando, mas abusando dos princípios. O professor alegou que esse ponto “parece o mais agudo na questão da segurança jurídica” e é uma espécie que já havia aparecido na doutrina e hoje aparece fortemente na jurisprudência.
No último painel realizado no XVIII Encontro Nacional de Direito Constitucional, promovido pelo Instituto Pimenta Bueno, Elival Ramos e Eros Grau debateram, em mesa presidida pelo professor titular Celso Lafer, “A evolução da jurisprudência do STF e a segurança jurídica”.
Contextualizando a temática, Eros Grau admitiu que no Supremo, muitas vezes, eles estão “atravessando a praça”, na medida em que não existe um critério que oriente a maneira como os princípios e valores devem ser ponderados. “É a questão da tirania e isso me parece extremamente grave”, declarou. Além disso, no entendimento do ministro, a segurança jurídica estará sendo “despedaçada” se houver uma formulação arbitrária sobre juízos de valor quando se ponderam princípios.
Já Elival reconheceu que é positivo o apontamento de questões de inconsistência jurisprudencial, “pois na medida em que o papel da Corte se altera, sua influência torna-se muito maior. O importante é que ela também perceba que suas decisões devem ter um padrão de consistência mais rigoroso”. Entretanto, fez uma ressalva: “isso me parece que faz falta no Brasil, esse diálogo mais consistente”.
Ainda assim, Eros Grau observou avanços na interpretação de textos conforme a época em que o processo está sendo julgado, o que garante, em sua opinião, “a segurança jurídica e os valores democráticos, para que sejamos cada vez mais positivistas”. Segundo ele, a atualização do texto constitucional abriga casos de exceção, o que assegura o equilíbrio do sistema jurídico. “Acho que o Supremo tem cumprido seu papel de certa forma, de modo adequado quando inclui situações de exceção”.
O ministro, porém, relatou que se preocupa com o fato de que há a exclusão de alguns textos, como artigos, por exemplo, “sempre por conta do abuso dos princípios de proporcionalidade e razoabilidade”. Conforme sua explicação, os princípios são pautas de interpretação que norteiam a aplicação do direito, tal qual era feito com a equidade, e não poderiam interferir dessa forma.
Um outro problema apontado por Elival foi a questão da sobrecarga de processos no Supremo, “um problema gravíssimo, reconhecido por todos”. De acordo com o docente, mesmo com as súmulas vinculantes, cujo objetivo principal é melhorar a oscilação jurisprudencial, o problema não foi resolvido e, por isso, essa seria uma medida inadequada para solucionar a questão.
Segundo o professor, um dos caminhos para solucionar a situação reside no investimento de uma educação de qualidade, com uma abordagem de ensino crítico e preocupado com o país, para que os futuros juristas saibam que são eles os construtores do direito que pode modificar a jurisprudência.