domingo, 3 de abril de 2011

A religião é matéria apenas privada?

Nos grandes temas públicos da atualidade há sempre questões morais envolvidas. Seja no campo da engenharia genética, na medicina, no direito, na economia, estamos sempre em face de relevantes questões de natureza ética e moral, desafiando cada vez mais debates em razão de vivermos em um mundo difuso, policêntrico e sem monopólio da última palavra. É dizer, um mundo desmanchado no ar, como profetizara Marx.

Quando se discute sobre aborto, eutanásia, homossexualidade, utilização de embriões, celulas-tronco, há sempre grandes discussões, mais da vez apaixonadas, em que diferentes grupos de pressão digladiam-se no manejo de argumentos com fundamentação as mais diversas, que vão desde um ceticismos ético extremado até um fundamentalismo religioso, duas pontas extremas que se tocam no mesmo irracionalismo.

Nesses debates, alguns deles submetidos a apreciação do Poder Judiciário, não raro busca-se eliminar, desde o início, qualquer possibilidade de uso de argumentos religiosos, a um duplo fundamento: (a) religião seria matéria privada, de foro íntimo; e (b) as proposições religiosas seriam inverificáveis, partindo de uma verdade revelada insuscetível de ser comprovada. Razão pela qual, tido por irracional, o discurso religioso passa a sofrer uma discriminação preconceituosa, havendo constante tentativa de expurgá-lo do debate público.

Na verdade, a nossa sociedade dispersa e confusa rejeita, de antemão, a racionalidade de qualquer discurso ético e, desse modo, expurga desde já qualquer validade racional do discurso religioso. Isso se percebe em qualquer debate público, quando o interlocutor deseja constranger as razões do outro, saca logo o que seria um forte ataque final: "Ah, mas essa fala sua tem conteúdo religioso...".

Há pouco, travei interessante debate no Twitter sobre o chamado "Kit de Combate à Homofobia", um programa equivocado do Ministério da Educação, que pretende combater a homofobia estimulando nas escolas públicas a cultura da homossexualidade, com filmes de péssimo gosto e moral duvidosa. Filmes que, em última análise, dizem que é o máximo ser gay e questionam - vejam que estupidez - até mesmo a separação de banheiros entre masculino e feminino...

O vídeo abaixo reproduz parte da sessão da Comissão de Legislação Participativa da Câmara, ocorrida no dia 23 de novembro de 2010, em que André Lázaro, então secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC, fala sobre o material "didático", enfatizando que a discussão relevante mesmo na sua confecção foi sobre “Até onde entrava a língua” num beijo lésbico.


No dabate no Twitter, acusavam-me - parece o melhor termo - de fazer uma crítica a partir de um discurso religioso, que seria - penso eu - irracional, conservador, ultrapassado e opressor. Sendo a religião assunto privado, não poderíamos, sob pena de invalidar de antemão os argumentos, falar em opções religiosas ou mesmo morais.

E qual o meio próprio para afastar o cognitivismo e racionalidade do discurso moral e religioso? A fuga para o naturalismo, de um lado, e para o relativismo moral, de outro lado. O naturalismo aparece muito forte ao se afirmar que a homossexualidade é legítima porque é natural; o relativismo moral, ao se afirmar que tudo que não prejudique o outro pode ser feito (um argumento muito interessante, sobre o ponto, pode ser resumido assim: "tenho o mesmo direito de debater sobre a homossexualidade que teria em debater sobre a reforma do banheiro do meu vizinho").

O problema do argumento naturalista é posto quando confrontamos outras situações que desafiam a sua absurdidade, como a pedofilia, o incesto, o homicídio... Homens matam, logo é uma conduta natural e não pode ser discutida. Pai adulto pode desejar manter relações sexuais com a sua filha adulta, por ser algo natural, não seria possível de análise moral. Os tabus universais das civilizações ruiriam todos mediante o recurso retórico ao naturalismo.

De outra sorte, mais refinada teoricamente, seria a objeção do não-cognitivismo ético, que diz serem as proposições éticas inverificáveis. Hirlary Putnam, filósofo americano, é crítico contundente dessa forma niilista de pensar, sustentando que os debates éticos "são desacordos racionais que requerem uma decisão que chegue até onde se encontram as melhores razões" ("Valores e normas", in: HABERMAS, Jürgen e PUTNAM, Hilary. Normas e valores, Madri: Trotta, 2008, p.61). Ou seja, podemos sustentar, sim, um debate racional consistente em questões éticas e religiosas, que estão na nervura do mundo da vida e são responsáveis por padrões de comportamento aceitáveis no meio social.

Ser contrário ao incentivo da cultura homossexual não é ser homofóbico, como ser contrário ao sionismo não é ser antissemita. É preciso que o discurso da intolerância não seja incentivado nem contra nem pró determinadas formas de pensar. E o Kit Contra a Homofobia, feito pelo MEC, não apenas não contribui com os fins a que visa, como ainda causa espécie até mesmo a quem, não sendo homossexual, tem simpatia pela causa gay. Ter simpatia pelo tratamento acolhedor não é o mesmo que estimular, em pessoas em formação, a cultura gay.

Neste passo, fico com o discurso religioso e moral, que apela ao diálogo sincero, ao acolhimento, mas sem militância e políticas oficiais de estímulo às crianças e adolescentes, inclusive mostrando, em vídeos, beijos (com ou sem língua) entre casais gays. E, sim, a religião tem todo o direito de se manifestar sobre o tema, porque ela é sim essencial como modeladora da vida social e do debate público.

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