terça-feira, 6 de julho de 2010

Opinião Pública

Concedi uma longa entrevista ao Yuri Brandão sobre questões jurídicas, sobretudo a lei dos fichas sujas. Ele fez um resumo e o portal Cada Minuto publicou com uma chamada sobre o ponto mais saliente, cujo interesse político é maior: a inelegibilidade, ou não, do candidato Ronaldo Lessa, ex-governador do Estado de Alagoas (aqui).

Olhando os comentários feitos, tanto no Blog do Yuri (aqui) como no portal do Cada Minuto, tirando aqueles que honestamente concordam ou mesmo discordam, vemos aquele interessante fenômeno da internet: os sem-rostos, os sem-nomes, os com-frustração, que saem das sombras sem delas saírem, espargindo a sua raiva, a sua profunda autopiedade traduzida em rancor. Veja esse exemplo:

nattasha silverio em 07/07/2010 às 02:02
Adriano soares, engraçado, até parece gente do bem . Advogado que defende os grandes corruptos.Ele não é besta, não é. Quanto jogo de palavras, quem não te conhece que te compre. Quem o elogia ou não o conhece ou é comparsa.

Miriam Lures em 06/07/2010 às 17:37
Mas gosta de aparecer e está no poder esse Adriano. Trabalhou 8 anos para o grupo do Ronaldo e agora fica jogando essas versões. Na certa tá afim de ganhar um trocadinho.

O irracionalismo é um traço da nossa quadra histórica. Só que hoje, com a internet possibilitando a vocalização da estupidez, essa turma passou a ter meios de vocalizar a sua mediocridade, o seu destempero, a sua fúria ignorante. E aqui se abre uma interessante perspectiva de reflexão: a tal opinião pública, grosso modo, é justamente formada por essa irracionalidade: não há reflexão; há simplesmente a instintiva reação causada por uma epidérmica visão da realidade. Não há argumentos; há esperneio, agressividade protegida pelo anonimato da internet.

Quem exerce uma atividade pública tem que saber conviver também com a reação da patuleia, razão pela qual sempre me diverti com essas manifestações desabridas de alguns. Mais ainda: é a partir de uma convivência com essa forma de manifestação do pensamento (ou ausência dele), que compreendo os limites imensos da tal opinião pública.

Dunga, por exemplo, um dia antes do jogo do Brasil com a Holanda, era aclamado pela opinião pública, conforme pesquisa de opinião do Datafolha. Eliminada a Seleção, Dunga passou a ser "burro", "intransigente", "incompetente", "desequilibrado", etc. Ou seja, as manifestações das massas são sempre se e enquanto.

Bem, aqui chegamos, depois dessa longa volta, para o aspecto que me motivou a escrever esse texto: como podemos admitir que o Poder Judiciário abra mão de decidir com apego à Constituição para decidir com respeito àquilo que a tal opinião pública entende o correto? Foi justamente aqui, aliás, que os parlamentares entraram pelo cano: pensavam que apenas eles poderiam votar politicamente a aprovação de uma lei inconstitucional, para dar uma satisfação à tal opinião pública em ano eleitoral, porém a Justiça Eleitoral terminou seguindo o mesmo trilho que eles.

Assisti ontem o filme "O julgamento de Nuremberg", retratando o julgamento por crime de guerra e crimes contra a humanidade dos líderes alemães capturados. Um filme muito interessante, mostrando que até mesmo aqueles homens, acusados das maiores barbaridades, mereceram um julgamento justo (e tiveram!), em um momento em que todos os alemães é que, na verdade, estavam sendo julgados pelo alinhamento com o regime nazista.  Sim, a massa é que estava sendo julgada; a mesma massa que negou, depois, conhecer as atrocidades do regime.

É isso: queria falar um pouco sem preocupação com um texto mais refinado, longo, fazendo ligações entre esses assuntos aqui tratados difusamente. O essencial é mostrar que não devemos nos submeter à opinião pública: ela, a opinião pública, é uma fotografia, um momento, porque não há uma liga que faça as fluídas opiniões durarem para sempre. E a opinião pública não quer conduzir; quer mesmo é ser conduzida.

Um comentário:

  1. Prof. Adriano,

    Também acredito que este moralismo eleitoral que campeia nos meios jurídicos insuflado pela opinião pública orfã de responsabilidade e cidadania, somente poderá nos levar a tolerar atrocidades a Constituição Federal, principalmente direitos e garantias seculares que não são fórmulas estéreis, mas a própria sobrevivência de uma coletividade contra o abuso do Estado. Combater a corrupção eleitoral, política e criminal, desprezando os paradigmas constitucionais sob o manto de uma ideologia moralizante é permitir o arbítrio, retornar a lei do talião.
    Temos uma democracia de poucas décadas, mas como cidadão tenho receio da sua deteriorização nos últimos tempos, da introdução de lacunas no sistema a permeadas pelo sabor da indignação como sentimento móvel do direito.

    Marcos Valério Melo Castro/Advogado

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