O novo livro de Marcelo Neves, com o qual concorreu à titularidade da cadeira de Direito Constitucional da USP, tem um instigante título: "Transconstitucionalismo", editado pela Martins Fontes. A obra possui bibliografia densa, vasta, tendo sido o produto de longa reflexão do autor, estribada em pesquisas feitas na Alemanha, através de bolsas de estudo que possibilitaram o intercâmbio científico.
Marcelo Neves é um pensador brasileiro profundo, cujas obras jurídicas não são daquelas lidas de um fôlego, tampouco com apelo a questões da praxis jurídica. Não. O seu caminho como estudioso é feito por terreno sólido, porém árido, sempre desafiando compromisso sério de quem se proponha a percorrê-lo. É daqueles estudiosos que horam a tradição da Faculdade de Direito do Recife, onde lecionou e iniciou a sua carreira acadêmica.
Voltando ao livro citado, Neves se propõe a estudar o fenômeno daquilo que posso chamar de cultura constitucional, hoje em moda, seja pelo fortalecimento do sentimento nacional, de um lado (de que são exemplos os movimentos separatistas de povos como Montenegro, além de tantos outros casos nos últimos 15 anos), seja pelo movimento contrastante, de outro lado, da necessidade de formação de blocos de países, gerando comunidades transnacionais, como se dá de modo saliente na Comunidade Europeia. De modo que temos Constituições nacionais, supranacionais, transnacionais, comunais, etc. A tal ponto, aliás, que já não se sabe ao certo nem mais o que é Constituição, acaso comparado o conceito com aquele clássico, forjado no início do constitucionalismo.
Fazendo uma ligação com o post anterior, percebe-se em Neves a necessidade de situar o tema central do seu livro justamente na realidade histórica que até mesmo o justifica: o fato de ser a sociedade moderna multicêntrica, sem um eixo em que se movam os seus diversos atores, individuais ou coletivos. É nessa sociedade destituída de um núcleo duro conceitual, que funcione como eixo de calibração ético, filosófico, religioso, etc., que ganha imenso relevo a Constituição como um ponto de equilíbrio e condição de possibilidade da vivência em sociedade. Nas palavras de Neves:
Sem ir mais além quanto ao ponto, senão para indicar a leitura do livro de Marcelo Neves, faço uma observação quanto àquele debate entre D'Acais e Habermas. Em uma sociedade multicêntrica, a exclusão da religião da esfera pública é um abuso não apenas discursivo, mas também ideológico, tomando de antemão como irracional qualquer discurso religioso, numa tentativa clara de impor uma visão ateia do mundo, desprendida dos valores religiosos. Nesse particular, Habermas tem muito a ensinar sobre levar a sério um visão democrática da construção de uma sociedade plural e estruturada no diálogo. E é justamente nas Constituições ocidentais que o filósofo alemão busca uma das suas justificativas para a validade do discurso religioso na esfera pública. Vou mais além: também na esfera institucional.
Marcelo Neves é um pensador brasileiro profundo, cujas obras jurídicas não são daquelas lidas de um fôlego, tampouco com apelo a questões da praxis jurídica. Não. O seu caminho como estudioso é feito por terreno sólido, porém árido, sempre desafiando compromisso sério de quem se proponha a percorrê-lo. É daqueles estudiosos que horam a tradição da Faculdade de Direito do Recife, onde lecionou e iniciou a sua carreira acadêmica.
Voltando ao livro citado, Neves se propõe a estudar o fenômeno daquilo que posso chamar de cultura constitucional, hoje em moda, seja pelo fortalecimento do sentimento nacional, de um lado (de que são exemplos os movimentos separatistas de povos como Montenegro, além de tantos outros casos nos últimos 15 anos), seja pelo movimento contrastante, de outro lado, da necessidade de formação de blocos de países, gerando comunidades transnacionais, como se dá de modo saliente na Comunidade Europeia. De modo que temos Constituições nacionais, supranacionais, transnacionais, comunais, etc. A tal ponto, aliás, que já não se sabe ao certo nem mais o que é Constituição, acaso comparado o conceito com aquele clássico, forjado no início do constitucionalismo.
Fazendo uma ligação com o post anterior, percebe-se em Neves a necessidade de situar o tema central do seu livro justamente na realidade histórica que até mesmo o justifica: o fato de ser a sociedade moderna multicêntrica, sem um eixo em que se movam os seus diversos atores, individuais ou coletivos. É nessa sociedade destituída de um núcleo duro conceitual, que funcione como eixo de calibração ético, filosófico, religioso, etc., que ganha imenso relevo a Constituição como um ponto de equilíbrio e condição de possibilidade da vivência em sociedade. Nas palavras de Neves:
"O constitucionalismo relaciona-se com transformações estruturais que engendraram as bases para o surgimento da sociedade moderna. O incremento da complexidade social levou ao impasse da formação social diferenciada hierarquicamente da pré-modernidade, fazendo emergir a pretensão crescente de autonomia das esferas de comunicação, em termos de sistemas diferenciados funcionalmente na sociedade moderna. Há não só um desintricamento de lei, poder e saber, nem apenas a obtenção da liberdade religiosa e econômica pelo homem, mas um amplo processo de diferenciação sistêmico-funcional.Nessa sociedade multicêntrica, surge uma racionalidade transversal que permite uma comunicação entre os diversos sistemas sociais, através de acoplamentos estruturais, na linha do pensamento de Luhmann, estabelecendo mecanismos de interpenetrações concentradas e duradouras (p.37). É dentro dessa racionalidade que se pode falar em Constituição transversal, cuja função de unir a diversidade dentro de um mesmo sistema social prepondera, e em Transconstitucionalismo, cuja tônica estar em pôr em diálogo diferentes sistemas constitucionais, buscando pontos de apoio comum na superação das disfunções dentro de cada sistema. Esses dois temas são tratados, respectivamente, nos capítulos 02 e 03 da obra.
Mediante esse processo, a sociedade tornan-se 'multicêntrica' ou 'policontextual'. Isso significa, em primeiro lugar, que a diferença entre sistema e ambiente, desenvolve-se em diversos âmbitos de comunicação, de tal maneira que se afirmam distintas pretensões contrapostas de autonômia sistêmica. E, em segundo lugar, na medida em que toda diferença se torna 'centro do mundo', a policontexturalidade implica uma pluralidade de autodescrições da sociedade, levando à formação de diversas racionalidades parciais conflitantes. Falta, então, uma diferença última, suprema, que possa impor-se contra todas as outras diferenças. Ou seja, não há um centro da sociedade que possa ter uma posição privilegiada para sua observação e descrição; não há um sistema ou mecanismo social a partir do qual todos os outros possam ser compreendidos." (pp.23-24).
Sem ir mais além quanto ao ponto, senão para indicar a leitura do livro de Marcelo Neves, faço uma observação quanto àquele debate entre D'Acais e Habermas. Em uma sociedade multicêntrica, a exclusão da religião da esfera pública é um abuso não apenas discursivo, mas também ideológico, tomando de antemão como irracional qualquer discurso religioso, numa tentativa clara de impor uma visão ateia do mundo, desprendida dos valores religiosos. Nesse particular, Habermas tem muito a ensinar sobre levar a sério um visão democrática da construção de uma sociedade plural e estruturada no diálogo. E é justamente nas Constituições ocidentais que o filósofo alemão busca uma das suas justificativas para a validade do discurso religioso na esfera pública. Vou mais além: também na esfera institucional.
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