A realidade é simbolicamente mediada. Tão fundamental é o sentido que construímos sobre o mundo que não raro se diz que o real é construído pela linguagem ou, como poeticamente dirá o último Heidegger, “a linguagem é a morada do ser” ou ainda “tudo o que pode ser compreendido é linguagem”. Essa concepção está à base do construtivismo reinante em nossos dias, a tal ponto que o real seria o que a linguagem diz que é, mesmo que negue o mundo lá fora: questões biológicas passam a ser superadas na definição da sexualidade pelos construtos sociais, dizem os ideólogos do gênero, só para citar o exemplo de uma questão cada vez mais presente nos debates sociais em que o uso da linguagem passa a ser meio para a reconstrução ideológica da natureza.
Se a linguagem já desafiava a filosofia, a tal ponto que o giro linguístico marcou a segunda metade do Século XX, o que dizer de uma época dominada pela comunicação instantânea, avassaladora, que nos acompanha em todos os lugares: televisão, internet, celulares... O jornalismo mesmo passou a ser produtor das notas dadas de imediato, quase que contemporaneamente aos acontecimentos. Os jornais, para sobreviverem, passaram a ser cada vez mais opinativos, porque as notícias de ontem não mais interessam aos leitores do dia seguinte; estão já saturadas de narrativas conhecidas e superadas...
Em um mundo que é construído por notas, por tiras, por informações rápidas, tudo é superficial, tem uma dinâmica que não permite o enraizamento de nada. Se há um gravíssimo caso de estupro, logo alguém grita, no calor das informações aceleradas, que há uma “cultura do estupro”. A expressão vai sendo repetida sem que a maioria saiba ao certo do que estamos realmente falando, ficando a rede de comunicação sobre o tema de antemão conduzida por um ativismo comunicativo de grupos de pressão, embotando a compreensão da maioria, presa a opiniões, doxas, que logo serão abandonadas diante do próximo acontecimento midiático, embora o caldo ideológico permaneça ali, depositado no fundo do baú das informações, para ser engatilhado quando aquele ativismo novante se interesse em levantá-lo como escudo ou uso retórico de ataque.
Vamos criando cada vez mais a civilização da superficialidade; pior que líquida, ela é vazia, volátil, desumanizante. E nós, que buscamos ansiosamente por segurança, raízes, esteio, caímos dia a dia na era da depressão: a angústia consome a todos, a fuga de si mesmo passa a ser a saída para a sobrevivência, o engajamento a grupos fundamentalistas, uma solução ao sem-sentido. A civilização da superficialidade é aquela, a nossa, dos homens e mulheres fraturados, mutilados, sorriso no rosto e medo na alma.
E a linguagem dos tempos superficiais vai nos desinformando, nos domesticando em um mundo que passa a ser inescapável e no qual não nos sentimos nunca em casa. Somos sempre inquilinos de nossas próprias vidas, em que os valores são tão variáveis que quase não podem ser havidos como valores.
Sim, o nosso tempo, a quadra em que vivemos, só nos convida ao conflito, ao medo, ao desespero. Não se buscam consensos, encontros, pontes. Cada vez mais nutrimos muros, fronteiras, guetos. E aí ou voltamos os olhos para as raízes em que construímos a nossa civilização ocidental ou a superficialidade do nosso tempo irá esmagando o que de melhor há em nós. Eis aí o grande desafio: conservar o que temos de melhor para nos abrir ao novo estruturado em solo firme e fértil.
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