quarta-feira, 16 de novembro de 2011

SONHO E REALIDADE: UMA REFLEXÃO AOS 42 ANOS

Nada mais triste do que um sonho que não se permitiu sonhar inteiro. Um sonho nascido e renunciado porque sonhá-lo seria desinstalar as marcações da realidade. E a realidade é o que importa, dizem os historiadores, os jornalistas e profissionais das melhores estirpes. Trabalhar com a realidade dá menos trabalho, porque o real é o barro que se pega com as mãos e se pode dar formas variadas, sempre calculadas, medidas e pesadas.

O mal do sonho é que ele não se deixa domesticar, não pode ser preso em uma fórmulas nem tabulado previamente. O sonho é a erupção do imponderável. E a vida que somos não tolera o imponderável: queremos, por segurança, as coisas que se medem, se contam e se qualificam em rótulos precisos.

Sim, as palavras são rótulos que pomos sobre as coisas, dizem os nominalistas de há muito. Rótulos que não dizem a sua essência, mas bem servem para a comunicação: chamo o objeto sobre a mesa de copo; bem poderia chamá-lo de cobra, sem o risco porém de ser mordido por ele.

Os sonhos não admitem rótulos; não são bons ou maus, feios ou bonitos, certos ou incertos, seguros ou inseguros… São sonhos e nos desafiam por isso!

Lá ia o jovem sonhando em ser músico. A mãe disse-lhe: “Ser músico? Ser artista? Mas isso lá é profissão?!”. Ao rotular a vocação, matou-se um sonho esmagado desde o início. Porque profissão é aquela que tem diploma, que exige estudos e reconhecimento social, pensou a mãe. E ali, naquele momento em que a realidade rotulou o sonho, perdeu-se um Tom Jobim, matou-se um Mozart, eliminou-se um Chico Buarque de Hollanda.

Lá ia o jovem dizendo, aos 28 anos: “Não me realizo sendo juiz de Direito. Quero ser advogado!”. “Louco, você é uma pessoa soberba!”, me disseram uns; “Como pode abdicar da estabilidade?!”, vergastaram outros. Por que será que o sonho incomoda a tantos, me perguntava na angústia de renunciar à magistratura para voltar à advocacia. Ah, os rótulos são cruéis e tentam matar os sonhos!

Sonhar não é fácil. Porque sonhar é revolucionário! Sonhar, afinal, é um passo para além da realidade, é muitas vezes negá-la ou, como dizem os alemães (Hegel, à frente): “aufhaben”. Sim, uma relação dialética de superar conservando algo superado. É dizer, no momento da síntese, o estado antitético é ao mesmo tempo preservado e transcendido, negado e realizado. Sonhar é realizar esse “aufhaben” na realidade mesma, indo além dela sem dela perder-se jamais.

Há quem aprisione os sonhos em rótulos. E as palavras às vezes, com a sua carga emotiva, simplesmente destróem os sonhos. E passamos a ser gerenciados pelo que os outros pensam, dizem, pesam e etiquetam. Ou seja, a realidade passa a ser simplesmente o que de antemão nos deram como o possível, o permitido, o normal. Nada há de mais destrutivo para os sonhos do que a "normalização"da vida. Ora, o bom profissional é o normal; mas o bom profissional nunca alcançará a excelência! Ser bom não é ser ótimo; ser ótimo é ir além da normalidade, do já posto, do já especificado como sendo o "único modo adequado de fazer e agir".

Penso em Einstein. Tivesse ele sido "normalizado" em sua ciência, não poderia ir além de Newton. Haveria de ficar nos limites da física clássica e aí não teríamos a Teoria da Relatividade. Todo sonho que seja digno desse nome tem algo de revolucionário, transgressor, porque sai do círculo de giz que desenharam como sendo o limite do possível.

Sonhar, meus caros, é se apoderar da realidade e superá-la. Sonhar não é negar que há limites, mas saber que eles poderão estar mais além do óbvio, do já posto, do já dito!

Quero sonhar os meus sonhos até o seu limite extremo. Porque viver é risco; sonhar é arriscado demais! Quem sonha não se acomoda à realidade, não se aninha em suas franjas, não se permite emascular de antemão. Quem sonha respira a vida pulsando, mergulha nas suas entranhas, transforma os medos sinais de alerta, apenas para estimular a descoberta da justa medida.

E a justa medida não está predisposta em uma bula de remédio, em uma receita de bolo, em um mapa da vida adrede preparado. A justa medida, afinal, é simplesmente a nossa certeza da finitude, da construção passo a passo, do que é existenciário naquilo que Heidegger soube especificar em uma expressão riquíssima: o ser-aí (Dasein). A nossa finitude, o nosso ser-para-a-morte, a nossa existência com limites passa a ser, então, a nossa grande fronteira e a nossa grande motivação: viver é desde já sonhar e ir além, sem perder de vista as nossas circunstâncias e as nossas limitações. É ir para além de nós em busca da nossa felicidade.

Completo amanhã 42 anos! Olho para a minha vida e me orgulho justamente dos momentos em que me permiti sonhar. Orgulho-me dos momentos em que não me deixei dominar pela realidade, em que percebi que ficar preso a ela me tornaria solvente apenas com a mediocridade! Sim, a realidade é a desculpa dos que se aprisionam ao medo! A realidade é conservadora: ela funciona como uma lei da gravidade irrevogável, nos dizendo sempre: "não dê salto nenhum porque você deverá cair de volta!".

Nesses 42 anos, o que há de melhor em mim brotou dos meus sonhos, muitas vezes inesperados, muitas vezes difíceis, mais da vez provocativos. Sim, porque sonhar não é viver um prazer antecipado; sonhar é construir com as mãos a realidade que se quer viver!

‎"Eu não posso!"; "eu não consigo!"; 'é difícil demais para mim!". Muitas vezes nos deparamos com situações na vida em que a vontade que temos é dizer para nós mesmos: "Não dá!". Entre a realidade e o sonho, abrimos mão de sonhar simplesmente porque abdicamos de tentar. Tentar é já e sempre comprometer-se sinceramente com o sonho, ainda que ele seja tão difícil que não possa ser alcançado.

O alpinista que sonha em escalar o Everest só será feliz se ao menos iniciar a subida até o limite das suas forças. Ele até poderá não chegar ao topo, mas dirá para si mesmo"Eu tentei!; eu lutei!". A maior frustração não é não ter alcançado ou conseguido; a frustração que mutila é a de nem ter tentado, nem ter experimentado o insucesso.

O insucesso faz parte da vida. A dor, o sofrimento, a angústia, enfim, são circunstâncias presentes em nós. Ninguém pode sempre vencer, ter sucesso, estar acima das dores do mundo. A diferença essencial da verdadeira paz, da verdadeira felicidade, está na livre disposição do espírito para TENTAR, para LUTAR. Vencer ou perder é da vida. Muitos sonhos se realizaram plenamente a partir da derrota, da experiência acumulada. O genial Pelé da Copa de 70 só foi possível porque houve o esmagado Pelé da Copa de 66.

Esse é o ponto fundamental: devemos abrir mão da vida e dos sonhos por medo de tentar, de lutar? Do alto dos meus 42 anos, respondo: não! A vida é um dom de Deus caro demais, bonito demais, para que simplesmente nos acovardemos e tenhamos um medo corrosivo que nos freia e domina.

Como disse João Paulo II, citando Cristo: "Non abbiate paura!"

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