Contava, então, com 23 anos. Havia assumido o cargo de procurador geral do município de Maceió naquele dia, pela manhã.
Fui convidado, antes, para ser subprocurador administrativo. Indicação do desembargador Fernando Tourinho, de quem havia sido assessor no Tribunal de Justiça. Assumi o cargo e fui trabalhar com Fernando Costa, procurador geral. Fernando exercia antes a advocacia privada, não sendo muito afeito ao direito público, razão pela qual saiu me delegando atribuições relevantes. Houve uma reunião de secretários municipais e ele me convidou para acompanhá-lo. Surgiu a discussão sobre a tentativa do Estado de criar a região metropolitana de Maceió e uma secretaria de assuntos metropolitanos, que era uma artimanha política do governador Geraldo Bulhões para tutelar a prefeitura de Maceió. Ronaldo Lessa, o prefeito, queria insurgir-se contra essa iniciativa. O tema foi o clímax das discussões naquela reunião e Ronaldo Lessa pediu uma posição da Procuradoria Geral. Fernando passou-me a palavra e eu defendi a inconstitucionalidade da lei estadual.
A partir daquela reunião, meu nome começou a ser conhecido na equipe. Fernando passou a delegar mais atribuições e eu passei a exercer atribuições afetas ao cargo de Procurador Geral. Passei a ter reuniões constantes com o secretário de Finanças, meu saudoso Arnon Chagas, um ás da contabilidade. E muitos problemas me eram trazidos pelos demais secretários. Fernando, com uma advocacia forte e reconhecida, logo desistiu de continuar no cargo de Procurador Geral, pedindo exoneração e indicando o meu nome para sucedê-lo.
Eu não conhecia o prefeito Ronaldo Lessa. O meu único contato pessoal com ele havia sido naquela reunião de secretários municipais. As minhas chances de assumir o cargo eram mirradas. E eu sequer pleiteava o cargo, inclusive pela minha pouca idade e inexperiência. Porém, para a minha surpresa, houve uma articulação de alguns secretários, que passaram a defender o meu nome. À frente, Arnon Chagas, Kátia Born e o velho Controlador Geral do Município, Geraldo Mota, além do Chefe de Gabinete do Prefeito, Olavo Wanderley.
Fui convocado para uma reunião com o Prefeito Ronaldo Lessa. Estávamos ele, Olavo Wanderley e eu. Lessa falou sobre a importância do cargo de procurador geral, discorreu sobre outros nomes que poderiam ocupar aquele cargo, mencionou o apelo de alguns importantes secretários para a minha escolha e, finalmente, destacou a minha pouca idade. Depois, perguntou-me: "Adriano, você, se fosse o Prefeito, lhe nomearia para esse cargo?". "Não!", respondi prontamente. "Por quê?", indagou-me. "Por uma razão simples, Prefeito: se o sr. me nomear e eu me sair bem, o sr. não fez mais do que a sua obrigação. Agora, seu eu for um fracasso, toda a responsabilidade será sua, e recairá no sr. o infortúnio de ter nomeado uma pessoa desconhecida e muito jovem".
Lessa olhou para o Olavo Wanderley. Olavo sorriu e disse algo que eu não esperava: "Ronaldo, esse menino é novo, mas é talentoso. Para a procuradoria precisamos de um Pelé. Esse aí é um Pelezinho, tem futuro e ganhou a confiança do secretariado." Ronaldo Lessa disse-me: "Comecei muito jovem na construção da Ponte Rio-Niterói. Juventude não é doença; se fosse, tem cura. Vou nomear você e vamos ver o que acontece".
Saí do gabinete do Prefeito e fui para casa. Reuni a minha família. Estava assustado. A ficha começava a cair. Uma coisa era ser subprocurador, mesmo com atribuições maiores, mas tendo o apoio e a retaguarda de um procurador geral experiente; outra coisa, muito diferente, era responder pessoalmente pela pasta, ser a última instância jurídica da capital. Coloquei as dificuldades de assumir o cargo para o qual seria nomeado no dia seguinte. Expus os meus medos. Papai, que ouvia tudo calado, após perguntar-me se me sentia preparado para o desafio e, diante da afirmativa, disse-me: "Filho, assuma o cargo. Sua mãe e eu estamos aqui para lhe apoiar. Não tenha medo. Deus proverá!".
Contava, então, com 23 anos. Havia assumido o cargo de procurador geral do município de Maceió naquele dia, pela manhã. A secretária Olinda anunciou servidores graduados da secretaria de Finanças, que iriam me fazer uma consulta jurídica sobre questões orçamentárias. Recebi cinco servidores, assessores de Arnon Chagas. Tinham eles uma consulta complexa sobre questões de direito financeiro e estavam divididos entre duas soluções possíveis. Caberia a mim a resolução sobre quem estava certo. Ouvi tudo atentamente. Embora aparentasse serenidade, estava angustiado, porque simplesmente eu não sabia o que dizer. A matéria era muito nova para mim e muito complexa.
Fiz cara de quem estava refletindo sobre aquelas questões que sequer eu entendia e, com serenidade, disse que daria uma resposta no dia seguinte. Tinha de refletir um pouco. Todos foram embora e eu fiquei com o abacaxi na mão.
Eu não sabia patavinas de direito financeiro. Tinha duas opções: ou ia consultar alguém ou ia buscar meios de construir uma resposta. Procurar quem?, pensei eu. Iria debutar no meu cargo caindo no ridículo. Optei por estudar e assumir a minha responsabilidade. Tinha por hábito - que ainda hoje cultivo - comprar livros jurídicos de qualidade sobre tudo, para um caso de necessidade. Sabia que tinha bons livros, ainda virgens, de direito financeiro. Saí da procuradoria e fui para casa, angustiado.
Comecei a estudar naquele dia direito financeiro. Virei a noite lendo aspectos teóricos, sorvendo os institutos. Não dormi. E passei o dia seguinte lendo, tomando café para não dormir. Faltei ao meu segundo dia como procurador geral. No terceiro dia, havia redigido o meu parecer, que não adotava nenhuma das duas soluções apontadas pelos técnicos, apontando uma terceira, que achei a mais adequada. Reuni-me na tarde do terceiro dia com eles, explanei o meu ponto de vista, fui sabatinado e convenci a todos da minha posição.
Havia vencido o meu primeiro desafio. Senti-me seguro a partir dali a exercer o cargo. Ganhei o respeito dos técnicos e cresci como pessoa e como profissional.
Desde então tenho para mim que o bom profissional deve ter na vida duas condições: a oportunidade e a competência. Se ganho uma oportunidade e não tenho competência, a oportunidade se esvai; se tenho competência, mas me faltam oportunidades, sou como um farol aceso em um mar sem navegação.
Sem trabalho, sem dedicação, sem seriedade, sem esforço, não temos como chegar honesta e profissionalmente a lugar algum.
Fui convidado, antes, para ser subprocurador administrativo. Indicação do desembargador Fernando Tourinho, de quem havia sido assessor no Tribunal de Justiça. Assumi o cargo e fui trabalhar com Fernando Costa, procurador geral. Fernando exercia antes a advocacia privada, não sendo muito afeito ao direito público, razão pela qual saiu me delegando atribuições relevantes. Houve uma reunião de secretários municipais e ele me convidou para acompanhá-lo. Surgiu a discussão sobre a tentativa do Estado de criar a região metropolitana de Maceió e uma secretaria de assuntos metropolitanos, que era uma artimanha política do governador Geraldo Bulhões para tutelar a prefeitura de Maceió. Ronaldo Lessa, o prefeito, queria insurgir-se contra essa iniciativa. O tema foi o clímax das discussões naquela reunião e Ronaldo Lessa pediu uma posição da Procuradoria Geral. Fernando passou-me a palavra e eu defendi a inconstitucionalidade da lei estadual.
A partir daquela reunião, meu nome começou a ser conhecido na equipe. Fernando passou a delegar mais atribuições e eu passei a exercer atribuições afetas ao cargo de Procurador Geral. Passei a ter reuniões constantes com o secretário de Finanças, meu saudoso Arnon Chagas, um ás da contabilidade. E muitos problemas me eram trazidos pelos demais secretários. Fernando, com uma advocacia forte e reconhecida, logo desistiu de continuar no cargo de Procurador Geral, pedindo exoneração e indicando o meu nome para sucedê-lo.
Eu não conhecia o prefeito Ronaldo Lessa. O meu único contato pessoal com ele havia sido naquela reunião de secretários municipais. As minhas chances de assumir o cargo eram mirradas. E eu sequer pleiteava o cargo, inclusive pela minha pouca idade e inexperiência. Porém, para a minha surpresa, houve uma articulação de alguns secretários, que passaram a defender o meu nome. À frente, Arnon Chagas, Kátia Born e o velho Controlador Geral do Município, Geraldo Mota, além do Chefe de Gabinete do Prefeito, Olavo Wanderley.
Fui convocado para uma reunião com o Prefeito Ronaldo Lessa. Estávamos ele, Olavo Wanderley e eu. Lessa falou sobre a importância do cargo de procurador geral, discorreu sobre outros nomes que poderiam ocupar aquele cargo, mencionou o apelo de alguns importantes secretários para a minha escolha e, finalmente, destacou a minha pouca idade. Depois, perguntou-me: "Adriano, você, se fosse o Prefeito, lhe nomearia para esse cargo?". "Não!", respondi prontamente. "Por quê?", indagou-me. "Por uma razão simples, Prefeito: se o sr. me nomear e eu me sair bem, o sr. não fez mais do que a sua obrigação. Agora, seu eu for um fracasso, toda a responsabilidade será sua, e recairá no sr. o infortúnio de ter nomeado uma pessoa desconhecida e muito jovem".
Lessa olhou para o Olavo Wanderley. Olavo sorriu e disse algo que eu não esperava: "Ronaldo, esse menino é novo, mas é talentoso. Para a procuradoria precisamos de um Pelé. Esse aí é um Pelezinho, tem futuro e ganhou a confiança do secretariado." Ronaldo Lessa disse-me: "Comecei muito jovem na construção da Ponte Rio-Niterói. Juventude não é doença; se fosse, tem cura. Vou nomear você e vamos ver o que acontece".
Saí do gabinete do Prefeito e fui para casa. Reuni a minha família. Estava assustado. A ficha começava a cair. Uma coisa era ser subprocurador, mesmo com atribuições maiores, mas tendo o apoio e a retaguarda de um procurador geral experiente; outra coisa, muito diferente, era responder pessoalmente pela pasta, ser a última instância jurídica da capital. Coloquei as dificuldades de assumir o cargo para o qual seria nomeado no dia seguinte. Expus os meus medos. Papai, que ouvia tudo calado, após perguntar-me se me sentia preparado para o desafio e, diante da afirmativa, disse-me: "Filho, assuma o cargo. Sua mãe e eu estamos aqui para lhe apoiar. Não tenha medo. Deus proverá!".
Contava, então, com 23 anos. Havia assumido o cargo de procurador geral do município de Maceió naquele dia, pela manhã. A secretária Olinda anunciou servidores graduados da secretaria de Finanças, que iriam me fazer uma consulta jurídica sobre questões orçamentárias. Recebi cinco servidores, assessores de Arnon Chagas. Tinham eles uma consulta complexa sobre questões de direito financeiro e estavam divididos entre duas soluções possíveis. Caberia a mim a resolução sobre quem estava certo. Ouvi tudo atentamente. Embora aparentasse serenidade, estava angustiado, porque simplesmente eu não sabia o que dizer. A matéria era muito nova para mim e muito complexa.
Fiz cara de quem estava refletindo sobre aquelas questões que sequer eu entendia e, com serenidade, disse que daria uma resposta no dia seguinte. Tinha de refletir um pouco. Todos foram embora e eu fiquei com o abacaxi na mão.
Eu não sabia patavinas de direito financeiro. Tinha duas opções: ou ia consultar alguém ou ia buscar meios de construir uma resposta. Procurar quem?, pensei eu. Iria debutar no meu cargo caindo no ridículo. Optei por estudar e assumir a minha responsabilidade. Tinha por hábito - que ainda hoje cultivo - comprar livros jurídicos de qualidade sobre tudo, para um caso de necessidade. Sabia que tinha bons livros, ainda virgens, de direito financeiro. Saí da procuradoria e fui para casa, angustiado.
Comecei a estudar naquele dia direito financeiro. Virei a noite lendo aspectos teóricos, sorvendo os institutos. Não dormi. E passei o dia seguinte lendo, tomando café para não dormir. Faltei ao meu segundo dia como procurador geral. No terceiro dia, havia redigido o meu parecer, que não adotava nenhuma das duas soluções apontadas pelos técnicos, apontando uma terceira, que achei a mais adequada. Reuni-me na tarde do terceiro dia com eles, explanei o meu ponto de vista, fui sabatinado e convenci a todos da minha posição.
Havia vencido o meu primeiro desafio. Senti-me seguro a partir dali a exercer o cargo. Ganhei o respeito dos técnicos e cresci como pessoa e como profissional.
Desde então tenho para mim que o bom profissional deve ter na vida duas condições: a oportunidade e a competência. Se ganho uma oportunidade e não tenho competência, a oportunidade se esvai; se tenho competência, mas me faltam oportunidades, sou como um farol aceso em um mar sem navegação.
Sem trabalho, sem dedicação, sem seriedade, sem esforço, não temos como chegar honesta e profissionalmente a lugar algum.
Belo relato de sua história Adriano, da qual sou conhecedor parcial, inclusive de uma passagem do texto.
ResponderExcluirColho dele a verdadeira dimensão do homem, que se enriquece com dedicação e esforços no seu caminhar profissional, enfrentando barreiras, acreditando nas suas próprias limitações, que não lhes são amputações, mas incentivos e desafios.
Moldar a competência do homem como profissional não é um ato ao acaso, provindo da boa sorte. A generosidade para o crescimento profissional só nos vêm do abraço reiterado ao aprimoramento do que se faz, alcançado sempre com honestidade e dedicação.
Marcos Valério
Já estava sentindo falta das crônicas semanais. No entanto, sabia que o ano novo viria com um relato inspirador para quem ainda dá os primeiros passos. O ano que passou foi o meu primeiro como advogado privado. Tive oportunidade e competência, apesar de os desafios não exigirem de mim sacrifício humanamente insuportável. Devo sempre lembrar que minha família me ajudou muito.
ResponderExcluirUm ano de luta; de subidas e descidas... pois do contrário, o que seria da vida se a montanha russa fosse como a linha do trem?
Abraços e muito obrigado pelo energético espiritual.
Kleiton Alves Ferreira