quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O BOBO-DA-CORTE E OS BOBO

Perguntou ao bobo-da-corte:

- "Por que és tão bobo? Tens necessidade de fazeres rirem de ti os outros?"
O bobo-da-corte pôs-se a pensar demasiado e terminou por vituperar o indagante com não sei quantos impropérios. Depois, amuado, disse-lhe:
- "Minha essência é fazer os outros rirem de mim, de minhas pilhérias... Não fosse assim, bobo não seria, muito menos da corte real. Afinal, passo o dia a me dedicar esforçadamente a construir tiradas para que se riem delas. A minha profissão é ser bobo, ora pois."
O indagante, então, sorriu com afeto. - "Mas e os livros que lês tão acotiadamente? Que fazes com tanta sabedoria de que és portador?"
O bobo-da-corte continuou amofinado.
_ "Meus conhecimentos são para mim mesmo. Não os quero partilhar, porque foram obtidos com os sacrifícios de horas de dedicadas leituras. Prefiro que os outros me conheçam pelos meus gracejos, não pelas minhas convicções ou pelos produtos das minhas meditações."
- "Ah! - ponderou o indagante -, tu preferes idiotizar os teus ouvintes e guardar os tesouros que adquiristes. Compreendi. Tu não és bobo coisa alguma; bobos são todos os que te ouvem e se riem em kkkkkkks e kikikikikis, deixando de ouvirem coisa de melhor proveito."
O bobo-da-corte piscou o olho e riu-se muito. O indagante, enfim, descobrira a lógica da coisa toda. O bobo-da-corte é profissional; os verdadeiros bobos são os desocupados que riem de qualquer chiste ou facécia, perdendo de se dedicarem a coisa de melhor proveito.