quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Depressão

Iam nuas as horas, andrajos postos ao lado, a alma sem vestígios de qualquer recato. Era consigo mesmo, sem que houvesse qualquer distração. No deserto em que andava, buscava a esperança que alimenta. Baldadamente. Porque não se pode encontrar nada quando deu-se por perdido de si mesmo.


Passos pesados, andar lento, a opressão do mundo às espaldas. Sentia-se desalentado, com escuras tonalidades do dia a lhe tomarem a visão. A vontade de parar só não era maior que o desejo náufrago de debater-se até perder o resto das forças que ainda teimava em fazê-lo respirar ofegantemente. E sentia tudo girar. O mundo rodava sem chão.

Gritou para si mesmo, porque voz não tinha. Segurou a cabeça entre as suas mãos, pedindo para descer da vida. Já não sentia o corpo, o tempo, as razões de viver... Tudo era desolação. "Salva-me! Salva-me!", repetia para si, como se estendesse a mão para alguém que não o via. As lágrimas molharam a sua sequidão; tudo era nada.

No fundo labirinto de si mesmo ouviu distante uma voz chamando-lhe pelo nome, ofertando ajuda. Parecia-lhe tão longe, mas estava ali ao seu alcance. Abriu os olhos vermelhos. Pediu em um profundo soluço ajuda. Já não podia sair de si mesmo sozinho, tão grande a sua perda de sentido. E entregou-se à sorte. E deixou-se ajudar. Porque as suas forças secaram. E assim pode encontrar algo sólido onde firmar pela vez primeira os pés...

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Papa Francisco, moral católica e flexibilidade

A visão latinoamericana é sempre mais flexível em relação aos valores morais. Somos, por assim dizer, mais condescendentes, menos afeitos à rigidez. Há um risco muito grande, portanto, quando olhamos o mundo a partir exclusivamente do nosso ponto de vista.

Parece-me que o Papa Francisco sofre um pouco desse mal vezo. Ao falar de modo flexível sobre temas caros à moral católica, como o aborto, por exemplo, que é a expressão mais eloquente do desrespeito à vida (que, intrauterina, não tem a possibilidade de autodefesa), o Papa passa uma ideia perigosa de sinal trocado, invitando a que, na vida privada, as pessoas deixem de fora justamente os preceitos religiosos que deveriam fazer vida e sob os quais deveria pautar os seu atos.

Ao Papa é dado ser luz para os católicos e não-católicos. Mostrar acolhimento e compreensão aos pecadores (entre os quais todos nos incluímos como dado de fé; todos precisamos do gesto salvífico de Cristo na cruz!). Nada obstante, em temas morais, a flexibilidade que se pode conceder nos casos individuais, conforme as circunstâncias concretas, não corresponde àquela defendida como princípio universal. Exemplificando: a Igreja não admite relações homoafetivas, por princípio, porque o casamento é um sacramento destinado a homem e mulher. Não poderia a Igreja, sem trair o Evangelho, adotar sacramentalmente a união entre pessoas do mesmo sexo. É algo que refoge à moda, que pertence à palavra de Deus. A Igreja não pode dispor dos tesouros da fé, sendo apenas a sua guardiã. Esse é o princípio universal da moral católica.

Isso, contudo, não implica em rejeitar os homossexuais. A Igreja pode até acolher casais homoafetivos que vivam uma relação sincera de amor, porém com acompanhamento pastoral e dentro de limites precisos: trata-se de uma relação que impede a vida sacramental, como ocorre, por exemplo, com os casais de segunda união. É dizer, a Igreja acolhe os seus filhos, porém sem abrir mão dos pontos cardinais da moral católica, baseada na tradição oral e escrita.

É disso que o Papa Francisco fala, porém sem a necessária prudência de pastor do povo de Deus. Expõe uma flexibilidade admitida diante de situações concretas como princípio universal, o que é grave erro em um mundo sem um eixo de valores seguros em que vivemos. Cabe à Igreja o duro papel de ser luz do mundo e sal da terra; cabe à Igreja de Cristo a dura missão de pregar a palavra de Deus, mesmo quando nos recusamos a ouvi-la. Não foi assim, ao seu tempo, com Jeremias? (Jer 1,5-9: "Antes mesmo de te formar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei. Eu te constituí profeta para as nações. Mas eu disse: "Ah! Senhor Iahweh, eis que eu não sei falar, porque sou ainda uma criança!" Mas Iahweh me disse: Não digas: "Eu sou ainda uma criança!" Porque a quem eu te enviar, irás, e o que eu te ordenar, falarás. Não temas diante deles, porque eu estou contigo para te salvar, oráculo de Iahweh. Então Iahweh estendeu a sua mão e tocou-me a boca. E Iahweh me disse: Eis que ponho as minhas palavras em tua boca.").

Esse é o papel da Igreja: proclamar profeticamente a palavra de Deus. Ainda quando o mundo a rejeite. Ainda quando grupos de pressão a ataquem. Ainda quando os cristãos sejam perseguidos. Se a Igreja for pop, por certo estará traindo o Cristo Jesus. Ele que não foi pop, não veio para fazer sucesso e ser compreendido. Ele não quis se fazer compreender; quis antes de tudo converter.

Falo sobre mim. Dou o meu testemunho. Em minha privada tenho falhado em face desses princípios da moral católica. Isso não me autoriza, porém, a dobrá-la à minha vontade, à minha conveniência. Já dizia o Senhor, através da boca de Isaías: "Com efeito, os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e os vossos caminhos não são os meus caminhos, oráculo de Iahweh." (Is 55, 9 ). Cumpre-me, então, sinceramente arrepender-me e buscar adequar a minha vida à palavra de Deus. É fácil? Evidente que não! Já o dizia São Paulo aos Romanos (Rm 7,19-20): "Com efeito, não faço o bem que eu quero, mas pratico o mal que não quero. Ora, se eu faço o que não quero, já não sou eu que estou agindo, e sim o pecado que habita em mim".

A Igreja que amo é a Igreja de Cristo! Não a igreja que que busca estar cheia, não a igreja que se converte ao mundo ou apregoa milagres a torto e a direito. A Igreja de Cristo é aquela que proclama a sua palavra e que a preserva, mesmo sendo incompreendida. Por isso, penso que o Papa Francisco, com a sua doce humildade, não pode dar sinais dúbios em matéria de fé e em matéria moral, porque pesam sobre os seus ombros dois mil anos de história e bilhões de fiéis.

Amo Francisco, como meu pai na fé. É um sinal de humildade e pobreza. Mas há de ser também um sinal eloquente da fé católica em um mundo que não se cansa de dizer não a Deus.