domingo, 11 de novembro de 2012

TONS CINZAS

Olho as coisas que se põem para serem vistas. Elas não sou eu; elas se fazem em mim parte de quem sou noematicamente.


Olho a vida passando como se não fosse minha. Sou um observador atônito de quem sou. Parvo. Não a domino qual montaria bravia a querer derrubar-me.

Olho quem sou e me espanto: há tantas idades em mim. Sou a criança da minha aldeia, correndo pelas ruas que me pareciam imensas. Sou o jovem angustiado que não via sentido algum nas ruas que andava. Sou o adulto perplexo e cheio de sonhos juvenis. Sou o velho que me fiz ao longo da trajetória.


Olho as minhas mãos. Espantam-me os primeiros sinais do tempo que vejo nelas. O tempo escorre por entre os dedos. São os minutos água escorrendo sem que possa dominá-los. E temo olhar para o espelho e já não me reconhecer.


Olho... Paro diante de mim mesmo. Brota em mim um sorriso no canto da boca. Há uma expressão triste, mas um quê de esperança. E sigo, porque o tempo me consome e a vida que há em mim pede mais vida, pede mais de si mesma. Não quero mais os tons cinzas. Abro a janela. O sol entra. Sinto vontade de andar e seguir. Porque há tantas razões para que o caminho se faça caminhada. E vou.

sábado, 10 de novembro de 2012

DEIXA

Deixa que meus braços alcancem o teu corpo sem que haja resistência. Qual exército dominado, deixa que as tuas defesas estejam submissas, porque doce é o sabor da entrega.

Deixa que os meus olhos penetrem os teus e dominem a tua alma, porque nesse momento não haverá nada entre mim e ti, senão a transparência do momento intemporalizado.

Deixa que meus lábios digam indecências, sejam impudicos e que as palavras ganhem novo sentido ao invadirem as tuas entranhas, molhando as tuas reentrâncias e fazendo o teu sangue pulsar.
Deixa que nossos corpos se confundam e se façam misturados, em movimentos improváveis que a anatomia não ousa explicar. Fazendo-nos um, que sejamos nós mesmos, sem confusão de almas mas misturados em desejos e gemidos sem pejo algum.

Deixa, afinal, que possamos nos amar sem medo, sem mistérios, sem recalques e, sobretudo, sem nos perder de nós mesmos diante dos desafios da vida. Que o amor se faça amor, que a entrega seja entrega, que o ciúme seja apenas o sinete de uma vida que se quer vivida na reciprocidade dos sentimentos.

E, deixando-se assim, que sejamos fortes. Fortes no caminhar, fortes no desbaste do orgulho, fortes na certeza de que somos melhores quando estamos um.